Fã brasileiro gasta R$ 200 por mês para alimentar relação com os ídolos; veja raio-X dos fandoms


Pesquisa sobre tema mostrou que 38% dos brasileiros se consideram fãs. Grupos organizados na internet ganham relevância cultural, poder de consumo e ajudam a moldar redes sociais. 5 descobertas de pesquisa sobre os fandoms brasileiros
Nos rincões da internet, existem grupos que se organizam em hierarquias, regras e culturas próprias, para servir e reverenciar um ídolo, ou mais de um. Os fandoms são como reinos — a própria palavra vem da junção dos termos em inglês “fan” e “kingdom” (reinado) –, com súditos satisfeitos e dispostos a gastar tempo, energia e dinheiro por sua majestade.
Uma pesquisa inédita sobre esse tipo de hábito mostra que 38% dos brasileiros se enxergam como fãs. Esses gastam, em média, R$ 199,41 por mês com produtos ou experiências relacionadas aos seus ídolos (ingressos, álbuns, itens de merchandising, entre outros). O valor representa quase cinco vezes o gasto médio mensal com atividades culturais no país, que fica em R$ 40 por família, segundo o relatório “Sistema de Informações e Indicadores Culturais 2009-2020”, divulgado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em 2021.
Entre os fãs questionados, 37% afirmam acreditar que a dedicação ao ídolo pode ser medida pela quantidade de dinheiro gasto para alimentar a relação com ele.
O levantamento feito pela consultoria de marketing Monks, em parceria com o instituto de pesquisa comportamental Floatvibes, entrevistou mais de 600 pessoas de todas as regiões do país para traçar o perfil dos brasileiros que, em diferentes níveis de dedicação, fazem parte de fandoms ligados à música, audiovisual (séries e filmes), games e esportes (veja, no gráfico abaixo, a porcentagem de fãs por idade, gênero e região do Brasil).
O estudo também analisou dados de redes sociais e comunidades on-line, promoveu encontros com fãs e entrevistou especialistas acadêmicos e do mercado para entender as peculiaridades e hábitos de consumo de quem faz parte desses grupos.
Pesquisa mostra raio-X dos fandoms brasileiros
Arte/g1
Amor e ódio
Na cultura pop, a ideia de fã-clube ganhou força nos anos 1960, a partir do frenesi gerado pelos Beatles. Depois da beatlemania dominar a música, o cinema viveu a histeria das franquias de ficção científica, como “Star Wars”, com o primeiro filme lançado em 1977. Naquela época, esses grupos eram terrenos simbólicos para desafiar convenções sociais (veja, no gráfico abaixo, os elementos que definem grupos de fãs em diferentes décadas).
scrolly-pop
Ao longo de mais de meio século de transformações sociais, culturais e tecnológicas, o conceito se tornou mais complexo. “O fã-clube começa quando algumas pessoas se juntam por um interesse em comum. Conforme essa estrutura vai ganhando massa, ela vai se tornando mais dinâmica, com hierarquias de funcionamento e disputas de poder”, explica Fabiano Carvalho, pesquisador cultural da Monks.
É uma mecânica que envolve, por exemplo, a competição velada sobre quem sabe mais sobre determinado artista: 51% dos fãs acreditam que o amor pelo ídolo é medido pelo conhecimento sobre ele e sua obra, de acordo com o estudo. No fandom de Beyoncé, saber coreografias é tão importante quanto entender os idiomas élficos de “Senhor dos Anéis”. Já para os fãs de Taylor Swift, é imprescindível conhecer cada detalhe das histórias pessoais por trás de suas letras.
A pesquisa também aponta mudanças no estereótipo relacionado a esse tipo de comunidade: fandoms deixaram de ser associados a comportamentos antissociais. Na era da internet, eles se tornaram grupos com relevância cultural, potencial de consumo e poder de engajamento — para o bem e para o mal.
64% dos entrevistados no estudo acreditam que o ódio de um fã pode ser tão potente quanto seu amor. E um em cada três fãs questionados diz que é ou já foi incentivado pelo seu grupo a ser “hater” de outros fandoms. André Alves, psicanalista da Floatvibes que participou do levantamento, analisa:
“Em grupos de torcidas, religiões e exércitos, geralmente há um rebaixamento da capacidade de filtrar os afetos, o que leva a ações por impulso. Isso é natural e também afeta os fandoms. Há uma mentalidade de seita.”
“A idealização excessiva também diminui nossa capacidade crítica e nos deixa mais suscetíveis aos afetos mais primitivos”, acrescenta. Para o psicanalista, a mecânica conflituosa dos fandoms ajudou a moldar as redes sociais como conhecemos hoje.
“Na virada dos anos 2000 pra 2010, páginas de fãs de Rihanna e Lady Gaga, por exemplo, passaram a ser usadas como referências por muitas plataformas de mídia social. O que vemos hoje no Reddit [comunidade de discussões on-line] foi praticamente inventado pelos fóruns de cultura.”
“Isso também está presente na lógica do Twitter [atual X]. É a economia da tensão: o conflito como ponto principal, que hoje é o que mais engaja na internet. Os fandoms têm essa rivalidade em sua raiz.”
Cosplay na CCXP 2022
Luiz Franco/g1
‘Come to Brazil’
A psicologia ajuda a explicar o que leva uma pessoa a admirar algo ou alguém a ponto de se meter numa briga para defender o objeto de sua devoção. O psicanalista afirma que fandoms são capazes de proporcionar aos membros sentimentos simultâneos de pertencimento e diferenciação. Ele explica:
“Muitas pessoas que entrevistamos no estudo falam do grupo de fãs como uma forma de experimentar um sentimento de pertencimento num círculo social diferente da família, da escola e da religião.”
“Ao mesmo tempo, é um jeito de ir encontrando suas diferenças e seu lugar no mundo. Quando estamos entre iguais, precisamos estabelecer diferenças mínimas dos outros para nos sentirmos nós mesmos. É olhar para o outro e dizer: ‘Estudamos na mesma escola, temos a mesma idade, mas eu gosto mais de Taylor Swift'”, acrescenta.
“Brasil, estou devastada”, postou Lady Gaga ao cancelar show no Rock in Rio de 2017
Reprodução/Twitter
O sentimento é especialmente intenso no Brasil, onde alguns fãs vivem um tormento constante pela distância física de seus ídolos: 62% dos entrevistados na pesquisa disseram sentir falta de mais eventos presenciais para fandoms no país. A perseverança dos brasileiros virou até meme internacional por causa da frase “please, come to Brazil” (por favor, venha para o Brasil), encontrada com frequência nos comentários de posts feitos por artistas gringos.
Mas o perrengue também tem seu lado positivo: com base em entrevistas e na análise de dados, o estudo mostrou que esse tipo de dificuldade é capaz de unir ainda mais essas comunidades. No reino dos fandoms, os súditos mais sofridos são também os mais dedicados. Talvez por isso algumas realezas se impressionem tanto ao visitar as terras de cá.
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