Presidente de órgão do MEC faz 86 viagens, privilegia Ceará e gasta R$ 542 mil

JOÃO GABRIEL E PAULO SALDAÑA
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)

A presidente do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), Fernanda Pacobahyba, já fez 86 viagens desde o início do governo Lula (PT) e acumula gastos de mais de meio milhão de reais em passagens e diárias, inclusive internacionais. A executiva tem privilegiado cidades do Ceará, seu estado natal.

Pacobahyba diz a pessoas próximas que tem pretensões eleitorais no Ceará, e mantém perfil ativo nas redes sociais: registra compromissos e divulga fotos com figuras públicas, políticos e personalidades. O ritmo de viagens tem causado queixas veladas de servidores do órgão.

Indicada ao cargo pelo ministro da Educação, Camilo Santana (PT), que foi governador do estado, ela viajou mais e com custo maior do que qualquer um de seus antecessores no cargo nos últimos dez anos, considerando os três governos anteriores. Também foi quem mais fez agendas fora do país.

O FNDE, ligado ao MEC (Ministério da Educação), opera um orçamento de R$ 107,6 bilhões em 2025 e tem atuação espalhada pelo país, uma vez que centraliza dinheiro para ações como obras de educação.

Por isso, o cargo é frequentemente disputado por integrantes de partidos do centrão.

Pacobahyba fez, na média, uma viagem a cada dez dias em pouco mais de dois anos e cinco meses no cargo. Foram 23 agendas para alguma cidade do Ceará (21 para a capital, Fortaleza) -nenhum outro estado foi visitado tantas vezes.

Os gastos com passagens e diárias somam, até agora, R$ 542,5 mil. Quase metade disso (R$ 226 mil) foram despesas em seis viagens para o exterior, incluindo a ida, em 2023, ao Fórum de Direito organizado em Lisboa pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes.

Só para o Gilmarpalooza, como o evento em Portugal é conhecido, o FNDE desembolsou R$ 32,4 mil, para uma viagem de quatro dias.

Procurado, o FNDE afirmou que parte fundamental de sua atuação “envolve o acompanhamento in loco de ações” e que “o número de viagens e diárias reflete o fortalecimento da presença institucional do FNDE em todas as regiões do país”.

“No Ceará, a presidente e equipe estiveram em diversas agendas da educação”, diz o fundo, citando a implementação de campus do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica). As viagens internacionais, por sua vez, se justificam porque o Brasil é “referência mundial no que diz respeito aos programas de alimentação escolar”.

Procurado, o MEC não respondeu.

Nenhum outro presidente do FNDE desde 2015 gastou mais do que R$ 200 mil em viagens, ou fez mais de 80 agendas fora de Brasília, nem mais de quatro fora do país.

Seus principais antecessores foram Marcelo Lopes da Ponte, na gestão de Jair Bolsonaro (PL); Silvio Pinheiro, com Michel Temer (MDB); e Antonio Idilvan, no segundo governo de Dilma Rousseff (PT). A comparação entre eles levou em conta o período de permanência aproximado no cargo.

Presidente do FNDE já gastou mais de meio milhão em viagens desde 2023

Fernanda Pacobahyba viajou mais que antecessores, e privilegiou estado natal

Governo – Nome – Dias no cargo – Total de viagens – Média de viagens/dia – Cidades visitadas – Gasto (em R$)

Lula (PT) – Fernanda Pacobahyba (2023 – atual) – 889 – 86 – 10,34 – 47 – 542.468,12

Bolsonaro (PL) – Marcelo Lopes da Ponte (2020 – 2022) – 943 – 71 – 13,28 – 71 – 178.209,23

Temer (MDB) – Silvio Pinheiro (2016 – 2018) – 729 – 57 – 12,79 – 57 – 151.296,38

Dilma (PT) – Idilvan Alencar (2015 – 2016) – 427 – 60 – 7,12 – 60 – 141.264,85

Fonte: Portal da Transparência

Ponte -indicação do hoje senador do centrão Ciro Nogueira (PP-PI)- é quem mais se aproximou dos patamares de Pacobahyba.

Ele ficou um pouco mais de tempo no cargo (dois anos e sete meses) e fez menos viagens (71, uma a cada 13 dias). Gastou menos também: R$ 178,2 mil. Ponte ainda visitou mais cidades do que a atual presidente do órgão: foram 71, contra 47 de Pacobahyba.

Pinheiro é o único entre eles que também concentrou deslocamentos: dos 57 que realizou no cargo, 28 foram para a Bahia, seu estado de origem.

Só Idilvan supera a média de viagens da atual presidente, com uma a cada sete dias. No entanto, visitou mais cidades (60).

A indicação de Pacobahyba ao comando do FNDE representou a chegada de um quadro técnico ao órgão que, sob Bolsonaro, havia sido entregue ao centrão. O fundo permaneceu no foco de escândalos de corrupção no governo passado.

Na atual gestão, critérios técnicos abandonados sob Bolsonaro foram restabelecidos no FNDE, mas o órgão enfrenta dificuldades para entregar obras de educação.

Além disso, após sucessivos atrasos, não garantiu verba suficiente para aquisição de todos os livros didáticos previstos no PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) deste ano.

Pacobahyba é uma das pessoas de maior confiança de Camilo Santana. Ambos são naturais de Crato, no interior Ceará. Ela foi secretária da Fazenda durante o período que ele governou o estado.

A maioria das viagens de Pacobahyba tem como objetivo eventos relacionados à educação, muitos acompanhando o ministro -como mostram os dados do Portal da Transparência e também publicações em suas redes sociais.

Uma série de agendas também é para participar em palestras, seminários e inaugurações, e algumas fogem ao tema do seu órgão ou pelo menos não são diretamente ligados a ele.

“Participações em eventos e palestras relacionadas à sua trajetória acadêmica e profissional, quando realizadas, não são custeadas pelo FNDE”, disse o órgão, em nota.

No total, foram sete viagens para fora do país -apenas uma, ao Peru, sem custos.

Em 2024 e 2025, por exemplo, durante passagens por Fortaleza, capital do Ceará, ela participou da cerimônia do prêmio RioMulher, que homenageia a trajetória de mulheres de sucesso.

Pelo menos duas vezes cumpriu agendas relacionadas a Secretaria da Fazenda do Ceará, órgão que chefiou.

Ela teve pelo menos dez compromissos relacionados ao ITA, ligado à Força Aérea Brasileira, onde cursou graduação. Destes, ao menos oito foram sobre o novo campus da entidade em Fortaleza, cujo projeto foi lançada pelo atual governo, com previsão para ficar pronta em 2027 -ela coordenou os estudos de viabilidade de execução e implementação da unidade.

Em duas viagens a São Paulo, Pacobahyba participou de agendas na TV Bandeirantes, entre outras pontos para promover o reality show Merendeiras -iniciativa do FNDE. O órgão ressalta que ele é “mais uma das ações de valorização dos profissionais da alimentação escolar”.

Cabe ao FNDE a operação dos recursos federais de alimentação escolar.

O reality também foi tema de um dos eventos para o qual ela foi em Roma, na Itália, em 2023. Na viagem -de quase dez dias e que também incluiu uma passagem por Paris, na França- ela participou sobretudo de palestras sobre alimentação escolar.

Em 2025, de novo na capital francesa, ela participou de uma reunião sobre nutrição (com foco na educação), na qual também estiveram presentes a primeira-dama, Rosangela Silva, a Janja, e o presidente do país, Emmanuel Macron.

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