Novo presidente da CBF chega ao cargo questionado em ação por improbidade

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IGOR SIQUEIRA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Era agosto de 2022. Tite ainda treinava a seleção quando Samir Xaud recebeu uma intimação de um procedimento movido pelo Tribunal de Contas do Estado de Roraima (TCE-RR). O assunto se desenvolveu e virou uma ação no Tribunal de Justiça do estado (TJ-RR) por improbidade administrativa. Como está em tramitação, a ação ainda coloca em xeque a conduta do futuro presidente da CBF -ele será eleito hoje.

A dúvida se dá pela peça de acusação do Ministério Público de Roraima (MP-RR) e pelo fato de que a ação ainda nem chegou perto de um desfecho. A acusação é de um dano ao erário público (prejuízo causado ao patrimônio público) estimado em R$ 1,38 milhão.

Mas as peças processuais ajudam a entender por que Samir, hoje candidato único na eleição para a cadeira mais importante do futebol, entrou na lista dos réus.

Catapultado para o topo da cadeia da CBF, o médico era diretor geral do Hospital Geral de Roraima (HGR) em 2018. E tem a companhia de outras seis pessoas na condição de réus no processo porque a apuração não se restringe a só uma unidade hospitalar da rede estadual.

Esse é um dos principais ingredientes que vieram à tona ao longo da semana que marcou uma candidatura meteórica à presidência da CBF do então presidente eleito da Federação Roraimense de Futebol.

Outra questão demonstrada pelo UOL foi a tentativa de Samir de regularizar uma terra em área de proteção ambiental em Roraima.

O contexto serviu para Samir sentir o peso do novo cargo e o nível de escrutínio e cobrança pelo qual vai passar à frente da CBF. O mandato que começa hoje vai até 2029.

A reportagem teve acesso a documentos que deixam mais claro o motivo de Samir estar envolvido nesse processo. A defesa dele alega inocência.

O que a promotoria alega

O Ministério Público abriu inquérito em 2022 para apurar a suspeita de dano ao erário público, envolvendo servidores da Secretaria Estadual de Saúde de Roraima.

A investigação mergulhou na relação contratual entre a Secretaria e a Cooperativa Brasileira de Serviços Múltiplos de Saúde, a Coopebras. A ideia era verificar os plantões que foram pagos em decorrência desse contrato.

Segundo a denúncia, ficou configurado o pagamento por plantões, exames e cirurgias “sem qualquer respaldo legal e contratual”. Ou seja, os serviços médicos eram inseridos nessa lista de pagamento da Secretaria de Saúde sem previsão no contrato.

O documento ainda cita que, em alguns casos, havia aluguel de salas e equipamentos médicos.

O trecho da investigação usado pelo MP no processo menciona “ausência de critérios técnicos no estabelecimento dos montantes pagos”.

O assunto ganhou corpo porque o trecho de um relatório feito em 2021 levantou outra dúvida: será que os procedimentos foram, de fato, feitos? Foi daí que nasceu a suspeita de dano ao erário público.

Como isso acontecia?

A inspeção feita “conseguiu identificar 29 médicos vinculados à Coopebras que receberam remuneração pela eventual realização de procedimentos não acobertados em lei”.

Na visão do órgãos de fiscalização e controle do estado, só seria possível inserir nas planilhas duas formas de remuneração por serviços médicos: plantão de 12 horas e carga horária.

Qualquer coisa fora disso já extrapolaria o que estava previsto em contrato. Como houve rubricas com pagamentos por exames, por exemplo, veio o problema.

Segundo o MP, o “desvio de finalidade não era a infração mais grave na execução do contrato”.

Existia uma dinâmica de informações e procedimentos na cobrança que deveriam estar casados. E não estavam.

De um lado, a Secretaria de Saúde usava o número de atendimentos registrados e calculava e definia a quantidade de plantões a serem pagos mensalmente.

Por outro lado, os médicos da Coopebras apresentavam para pagamento a própria produção mensal. Só que ela ficou fora do regime de plantão.

Em vez de serem calculados os plantões de 6h ou 12h, a remuneração dos médicos era fixada por procedimentos individualizados.

Isso contribuía, em tese, para o possível dano ao erário. A auditoria encontrou uma diferença entre o número de procedimentos informados pelos médicos e o número que a Secretaria de Saúde apresentava.

Ou seja, há duas linhas de serviços indevidos: os que eram feitos fora do contrato e os outros cuja comprovação não foi encontrada.

De quem era a responsabilidade?

O Ministério Público foi para cima de duas pessoas: Vanusa Lopes da Silva e Elinalda da Silva Oliveira. A primeira foi designada a fiscal do contrato com a Coopebras. A segunda, a gestora. Por isso, o MP diz que elas tinham o dever de “zelar pela fiel execução” contratual.

O promotor do caso afirma na petição inicial do processo que as duas “chegam a admitir a omissão dolosa no cumprimento dos seus deveres de fiscalização”. O documento ainda acusa as duas de fraudar atestados de faturas e notas fiscais.

O MP mencionou até um trecho da defesa das duas, que abre um caminho também para inclusão de outros gestores do hospital na discussão.

“Todos os expedientes acostados como supostas evidências nunca passaram nas mãos da gestora e fiscal do contrato. Seria impossível adivinhar ou suspeitar que havia supostos atos delituosos”, alegou o advogado.

A defesa de Vanusa e Elinalda ainda acrescentou que “a fiscalização dependia dos diretores responsáveis pelos informes dos plantões realizados nas unidades de saúde sob suas responsabilidades”.

Como Samir Xaud entra nisso tudo?

O Ministério Público inseriu na denúncia outros membros da estrutura administrativa do hospital e de outras unidades de saúde da rede. Domingos Sávio Matos Dantas, que o diretor clínico do HGR, foi um deles.

A linha de raciocínio do MP no processo foi: além da omissão de verificar o cumprimento do contrato, houve uma ação para gerar os pedidos de pagamentos aos médicos.

“Tais pagamentos foram respostas às solicitações de gestores das unidades de saúde estaduais”, pontuou o Ministério Público. E esses documentos eram assinados. Então, quem colocou o nome na requisição passou a ser cobrado por isso.

Por conta disso, Samir Xaud e outros diretores foram considerados “corresponsáveis”.

O MP considera que essas figuras administrativas facilitaram as coisas para que a Coopebras ganhasse mais dinheiro.

“A conduta do servidor muito contribuiu para o desfecho da ocorrência. Na qualidade de diretor geral do HGR, lhe era exigido que agisse com zelo, de forma a cumprir as atribuições que lhe foram outorgadas”, diz um trecho da inspeção usado pelo MP no caso.

Como Samir se defende

No processo, nem todas as partes foram oficialmente citadas. E Samir Xaud ainda não enviou defesa formal no caso. Mas, informalmente, aponta que não era responsável pela gestão do contrato.

Por nota, os advogados dele dizem que “não há nenhum indício de irregularidade praticada, seja na esfera pública ou privada de Samir Xaud. Este fato será demonstrado no momento oportuno, nos autos do processo, após citação e manifestação de todas as partes”.

A defesa do novo presidente da CBF acrescenta que “no âmbito do Tribunal de Contas do Estado, todas as certidões negativas evidenciam a inexistência de pendências ou restrições. Desta forma, Samir Xaud plenamente habilitado, com idoneidade comprovada e sem qualquer irregularidade em sua atuação como gestor público”.

Sobre a questão da tentativa de regularização da propriedade em área de proteção ambiental, os advogados de Samir dizem que “não há nenhum processo de regularização fundiária, seja de natureza rural ou urbana, em nome de Samir Xaud”.

Segundo eles, “certidão atualizada e emitida pelo Instituto de Terras e Colonização do Estado de Roraima (ITERAIMA) comprova esta afirmação”.

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