Calabresa à base de trigo? Empresários inovam com culinária vegana e aumento da procura por comida sem origem animal em SC


Busca do termo ‘veganismo’ na web acompanha aumento de adeptos à filosofia. Empresários veem a oportunidade de negócio na falta de opções boas e sustentáveis no mercado. ‘Esse é o propósito: apoiar também todo o nosso planeta’. Lourdes Shendama e a filha Maria Carolina Souza cuidam do Espaço Nutrir, em Florianópolis
Wenndel Paixão/ NSC
De buffet adaptado para o paladar vegano a sushi de cogumelos e pasta de tofu, sem nada de peixe, e até pizzas com rodelas de “calabresa” à base de trigo. Essas são apostas de restaurantes da Grande Florianópolis que decidiram recriar clássicos da culinária em versões sem ingredientes de origem animal, e sem se limitarem ao uso de vegetais e legumes.
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Em comum, os proprietários de três estabelecimentos observaram na crescente busca por alimentos veganos e na lacuna de mercado uma oportunidade de tornar a comida vegana mais acessível e interessante.
“Eu trabalhava com sushi normal e, às vezes, vinha algum vegano ou vegetariano comer e as únicas opções que tinham eram pepino e manga. Então tentei fazer algo que lembrasse o sushi tradicional”, relata a empresária Aline Bueno Rosa, que tem clientes fiéis.
🥕🥒🍄‍🟫 Essa procura percebida pelos empresários também é evidenciada no Google, conforme levantamento feito a pedido do g1. Na plataforma, Santa Catarina é o 4º estado do país que mais buscou sobre o termo veganismo em 2024.
O ranking também revela que:
De 2022 para 2023, as buscas pelo termo veganismo em SC mais que triplicaram (250%);
Entre 2023 e 2024, as buscas pelo termo se mantiveram na mesma média.
Os interessados pela temática, no entanto, não são apenas veganos, mas pessoas que acabam recorrendo a esse tipo de comida pela ética animal e sustentabilidade e na busca por opções mais saudáveis, segundo a coordenadora do Simpósio de Nutrição Vegetariana e Plant based em Florianópolis, Thaisa Navolar.
Ela observa que há ampliação na oferta de opções em restaurantes, cafés e comércios veganos em Santa Catarina, principalmente em cidades como Florianópolis e Balneário Camboriú.
“Esse é o propósito: apoiar também todo o nosso planeta. Olha só quanta coisa o veganismo traz para a gente”, reflete a empresária Lourdes Shendama, dona de um restaurante vegano a quilo, com três unidades em Florianópolis.
👉Para entender: pessoas veganas não consomem nada que tenha origem animal. O veganismo é apenas um dos tipos de vegetarianismo (veja mais abaixo).
🥗 Buffet para todo dia
A chef Lourdes Shendama é dona de um restaurante vegano com três unidades espalhadas pela Ilha de Santa Catarina. Com buffet variado e algumas opções orgânicas a R$ 64,90 o quilo (à vontade, R$ 44), ela busca tornar o veganismo mais acessível para pessoas com restrições que precisam de uma opção prática e nutritiva para o dia a dia.
“Por exemplo, se eu trabalho aqui do lado, eu posso vir todos os dias almoçar aqui e, às vezes, é até mais barato que almoçar em casa, porque tu não vai comer na tua casa tudo que tu vai comer aqui”, reflete.
O cardápio muda todo dia, é influenciado pelo tempo e passa pelo aval da chef de cozinha Pâmela Andressa Silva Oliveira, que anda de mãos dadas com Lourdes nas decisões. A filha dela, Maria Carolina Souza, também ajuda a tocar o negócio.
🥗 Se está calor, por exemplo, prevalecem as opções mais frescas e crocantes; no frio, os caldinhos são os pratos preferidos da cozinha. O que é inegociável são a variedade de cores, o equilírio de nutrientes e a boa apresentação.
“A gente procura sempre dar uma equilibrada no carboidrato, proteína. A gente sempre procura fazer ele bem proteico, porque a gente sabe que o vegano busca bastante isso”, comenta Pâmela.
A montagem considera sempre:
50% verduras e legumes 🥕
25% de carboidratos 🍚
25% de proteínas.🫘
Lourdes Shendama e a filha, Maria Carolina Souza, na unidade do Espaço Nutrir no Campeche, em Florianópolis
Wenndel Paixão/ NSC
O g1 conheceu a unidade do Campeche em 18 de abril. Era um dia ensolarado, com temperatura próxima dos 30ºC, e o buffet incluiu de hambúrguer proteico a brócolis com creme de castanha de caju (veja lista e vídeo abaixo).
🍔 hambúrguer proteico de grão de bico com proteina de soja;
🌽 bolinho de milho com abobrinha;
🥬 brócolis com creme de castanha de caju;
🥬 trouxinha de acelga com quinoa e queijo de amendoim;
🍜 moqueca;
🍚 arroz à grega;
🥔 batata baroa assada
🥗 e mais uma variedade de saladas e molhos!
Chef Pâmela Oliveira mostra o cardápio no Espaço Nutrir, restaurante vegano a quilo
Movida por uma causa
O desejo dela de vender comida a quilo sem qualquer ingrediente de origem animal foi considerado uma loucura pelos mais próximos no início das atividades, quando comprou um restaurante na Lagoa da Conceição onde já entregava bolos veganos em 2017.
“Eu cheguei e vim com tudo. O proprietário deixou zerado, não tinha nada mesmo, foi um momento bem difícil. As pessoas perguntavam para mim: ‘Tu és louca em começar assim? ‘Por que você não coloca, pelo menos, ovo e queijo?’.
Mas ela insistiu e o restaurante conquistou um público diverso, de clientes veganos e não veganos, que passaram a admirar não só a comida variada, mas a própria política da empresa, ligada à busca pela preservação do meio ambiente.
“Imagina um pasto grande para ter boi [para virar carne]. Quanta água, quanta terra que poderia ser usada para plantar comida de verdade. Tudo isso tem a ver com o veganismo. O veganismo, para mim, é um estilo de vida mesmo, não é só o alimento”, defende Lourdes.
O restaurante expandiu, alcançou famílias, trabalhadores e virou o Espaço Nutrir, hoje com unidades também no Campeche e Novo Campeche.
Chef de cozinha Pâmela Andressa Silva Oliveira prepara o cardápio do Espaço Nutrir
Wenndel Paixão/ NSC
Sushi vegano
O sushi vegano feito pela empresária Aline Bueno Rosa não se limita a recheios com manga e pepino japonês. Ela consome carne, mas percebeu, durante seus 11 anos trabalhando como sushiwoman, que faltavam opções atraentes para o público vegano, especialmente na região continental de Florianópolis. Assim, decidiu se tornar uma aliada à causa preenchendo essa lacuna.
“Eu trabalhava com sushi normal e, às vezes vinha algum vegano ou vegetariano comer e as únicas opções que eles tinham eram pepino e manga. Então eu tentei fazer algo que lembrasse um pouco o sushi tradicional, mas que pudesse agregar na alimentação deles”.
Sushis feitos por Aline Bueno Rosa não tem nada de básico são de vários sabores veganos
Redes sociais/ Reprodução
Nos sushis feitos por ela, da produção à montagem, nada é básico e a estética é importante. Ela destaca, inclusive, que o processo de criação é mais complexo que a do sushi tradicional.
“No tradicional, você faz o rolo de sushi, corta, bota na embalagem e manda para frente. Não tem muito o que fazer. Já no vegano, a gente já faz com a ideia de ser algo bonito visualmente e também gostoso. Vai muita coisa em cima. Vai crispy de couve, alho poró, pastinha em cima”, comenta.
Entre os destaques do cardápio, estão opções que despertam a curiosidade do público (veja algumas abaixo).
🍣 Sushi jyo envolto com pepino e cobertura de pasta de castanha e shimeji;
🍣 Sushi jyo envolto com cenoura e cobertura de creme de castanhas e edamame (soja verde em grãos);
🍣 Niguiri de tofu defumado;
🍣 Uramaki de batata doce com geléia de pimenta e cogumelo paris.
Preenchendo lacunas
Durante a pandemia, Aline foi contratada por um restaurante de Florianópolis especializado nas versões veganas dos pratos. Esse foi o primeiro contato dela com esse segmento.
Ela percebia a demanda, mas viu também que o restaurante não conseguia cobrir as regiões mais afastadas, que também tinham interesse no cardápio.
De olho nesse problema, e vendo uma oportunidade de alcançar outros públicos, decidiu empreender. Junto com o irmão, ela abriu o Yoi Vegan Sushi e passou a atender por delivery também moradores da parte continental da capital e cidades vizinhas.
“A gente apostou no nicho de comida vegana e abraçou o estilo de vida na culinária, para agregar também esse público vegetariano que estava meio carente de sushi, principalmente. Como já trabalho com sushi há muito tempo, já sabia as combinações que ficavam legais. Me apertei um pouco mais para entender de cogumelos e esses temperos do paladar vegano”, diz.
📍 Além de cobrir a região central e continental de Florianópolis, a dupla consegue entregar para Palhoça, Biguaçu e São José, na Grande Florianópolis.
🍕 Pizza ‘com cara de pizza’
O doutorando em farmacologia Benhur Judah Cury, de 33 anos, sabia bem que queria oferecer uma pizza com “cara de tradicional” quando abriu o Pizza das Galáxias em 2024. Para isso, ele colocou como objetivo recriar o sabor de calabresa perfeito (o maior clássico para ele) sem ingredientes de origem animal.
🍕 Ele estudou a técnica de produção de seitan, e, assim, criou uma “calabresa” a partir do preparo da proteína do trigo. A pizza de “Calabresa de Vênus Acebolada”, como foi chamada, virou um dos carros-chefes da casa (foto abaixo).
“[A pizza] é aquele negócio que você pega uma fatia e você olha assim: ‘nossa, é uma pizza’, que consegue pegar na mão, que tem um sabor gostoso”.
O cardápio é adaptado, mas no visual lembra muito as pizzas tradicionais. E mais do que isso: segundo Benhur, a ideia é preencher uma lacuna que determinado grupo de vegetarianos e veganos passaram a sentir quando deixaram de comer carne – o da textura. Além da calabresa, há “bacon” e “filé” artesanais.
“Uma coisa que sentíamos muita falta era de uma pizza que desse uma sensação de ‘meu, está muito próximo do que é a tradicional’. Muitas vezes, as pessoas deixam de comer carne não por não terem afinidade com a carne, mas, sim, pela questão de toda a causa”, comentou.
Benhur Judah Cury com a pizza de ‘calabresa’ vegada e de ‘bacon’ da Pizza das Galáxias
Wenndel Paixão/ NSC
Ele é de Joinville, no Norte de Santa Catarina, mas se mudou para a capital em 2024, quando começou o doutorado na cidade. Na mudança, viu a necessidade de empreender para pagar as contas.
Benhur consome leite e queijos, mas se juntou à causa vegana ao notar que o público que não come nenhum tipo de alimentos de origem animal ainda tinha dificuldade em pedir um delivery prático e saboroso, principalmente fora da ramo da culinária saudável.
Preparo mais complexo
De dentro de uma pequena dark kitchen (cozinha de restaurante restrita ao delivery), Benhur diz que a produção é mais trabalhosa que a de uma pizzaria tradicional. Além das proteínas, os queijos são preparados do zero, fora do turno de atendimento.
“A gente vem na terça, quarta e quinta, normalmente de manhã, para fazer toda a produção. É diferente da pizzaria tradicional, que normalmente já compra o queijo pronto e só tem que ralar, cortar ou refogar. A gente tem que fazer do zero”, comenta.
A pizzas possuem versões com queijos tradicionais também, uma tática para prospectar o público que ainda é avesso à ideia de cortar todos os ingredientes de origem animal, embora os carros-chefes sejam os sabores veganos.
Pizza de ‘bacon’ com milho e de ‘calabresa’ nas versões vegana
Wenndel Paixão/ NSC
🧀 Os queijos preparados são feitos assim:
Cheddar vegano: feita à base de castanha de caju;
Requeijão vegano’: feita à base de amêndoas;
Burrata vegana – também é feita de amêndoas, um pouco mais apimentada que o requeijão;
‘Muçarela das galáxias’ – feita à base de castanha de caju.
😥 Por questões pessoais, Benhur precisou colocar o negócio à venda em maio deste ano, após a visita do g1 à unidade, mas espera encontrar alguém que se apaixone como ele pela pizzaria.
O que é veganismo
Veganos não consomem nada que tenha origem animal.
👉 O veganismo é apenas um dos tipos de vegetarianismo. Embora existam divergências pontuais quanto ao número de “categorias” de vegetarianismo (e quanto à nomenclatura de cada uma delas), o básico costuma ser consensual. A Sociedade Vegetariana Brasileira, por exemplo, lista estas seis variações:
Ovolactovegetarianos – comem ovos, leite e laticínios.
Lactovegetarianos – consomem leite e laticínios (mas não ovo).
Ovovegetarianos – comem ovos (mas não consomem leite e laticínios).
Vegetarianos estritos – não consomem nenhum produto de origem animal.
Veganos – aqui não se trata apenas de comer; eles não usam nenhum tipo de produto/insumo de origem animal (vale, inclusive, para o que é testado em animais).
Alimentação plant based – 100% vegetal (não inclui nenhum ingredientes de origem animal) e “prioriza os alimentos mais naturais e íntegros (também conhecida como whole food plant based diet)”.
📋 Como é o cardápio de uma pessoa vegana? Ela pode comer, por exemplo:
sementes (girassol, abóbora, gergelim, linhaça dourada, chia)
oleaginosas (nozes, amêndoas, castanhas, macadâmia)
raízes e tubérculos (aipim, batata doce, inhame, cará, batata baroa)
cereais integrais (arroz, trigo, aveia, centeio)
leguminosas (feijões, grão de bico, ervilha, lentilha, quinoa)
vegetais folhosos verdes (couve, alface, rúcula, agrião, espinafre)
vegetais crucíferos (brócolis, couve-flor, repolho)
outros vegetais (cenoura, beterraba, pepino, cebola, alho, berinjela, abóbora, abobrinha, etc. E tomate usado tradicionalmente na salada)
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