Crise na Azul ainda é reflexo da pandemia, e recuperação judicial é caminho ideal, dizem especialistas

PAULO RICARDO MARTINS
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Os problemas financeiros da Azul foram herdados pela empresa no período de interrupção das atividades durante a pandemia e foram potencializados pela falta de ajuda do governo, de acordo com representantes do setor. Se a companhia aderir ao Chapter 11 (recuperação judicial nos EUA), será a última das três principais aéreas brasileiras (junto com Gol e Latam) a recorrer à Justiça americana para reorganizar dívidas depois do baque sofrido pelo segmento durante a pandemia.

De acordo com a agência de notícias Bloomberg, um potencial Chapter 11 poderia ocorrer já na próxima semana. Segundo a agência, a companhia está em negociações avançadas com credores para um financiamento de cerca de US$ 600 milhões (quase R$ 3,4 bilhões na cotação atual) que apoiaria o processo de reorganização da empresa nos EUA.

O mecanismo permite que empresas em dificuldades financeiras reorganizem suas dívidas sob proteção da lei enquanto seguem operando.

Procurada pela reportagem, a Azul disse que “está engajada em diálogo produtivo com seus investidores desde 2024 para identificar caminhos que garantam a sustentabilidade da companhia hoje e para o futuro”.

“Como empresa competitiva, a Azul está constantemente avaliando oportunidades para melhorar a liquidez e sua estrutura de capital, sem nunca deixar de honrar seus compromissos e a qualidade dos seus serviços e atendimento aos clientes, respeitando sempre toda legislação vigente”, escreveu em nota.

À reportagem Adalberto Febeliano, ex-diretor de relações institucionais da Azul e especialista em aviação civil, diz que a crise financeira atual da companhia ainda é reflexo do baque sofrido pelo setor aéreo durante a pandemia.

Ele explica que, apesar da paralisação do setor na época, as companhias tiveram de continuar pagando leasing (que funciona como um aluguel de aviões), reserva de manutenção das aeronaves, entre outros gastos.

“As empresas aéreas, durante a pandemia, com dois anos em que [as companhias] não tiveram receitas normais, continuaram pagando os aluguéis dos aviões. É um custo fixo pesadíssimo, você vai comendo o caixa da empresa para manter isso”, afirma.

Segundo Febeliano, a Latam foi mais ágil para reorganizar suas dívidas, pois foi a primeira das empresas aéreas a pedir o Chapter 11 depois do começo do isolamento.

“Ela [Latam] saiu muito mais forte do que as outras, porque foi a primeira a recorrer a essa ferramenta. A Azul ficou só com a renegociação com os credores e, como a gente está vendo, não foi suficiente.”

Em maio de 2020, o Grupo Latam comunicou ao mercado que a companhia e suas afiliadas no Chile, Peru, Colômbia, Equador e Estados Unidos recorreriam à proteção contra falência nos EUA. Inicialmente, as afiliadas na Argentina, no Brasil e no Paraguai não foram incluídas no documento. No entanto, em julho do mesmo ano, a Latam Brasil anunciou o pedido de recuperação judicial à Justiça americana.

Cerca de dois anos depois, em novembro de 2022, o Grupo Latam Airlines anunciou a conclusão do processo de recuperação judicial nos Estados Unidos. Com a reorganização, a companhia reduziu sua dívida em US$ 3,6 bilhões.

No ano passado foi a vez da Gol de pedir a entrada no Chapter 11. A empresa informou nesta semana que a Justiça dos EUA aprovou o plano de reorganização. Com essa etapa concluída, a companhia prevê sair do processo em junho deste ano.

A Azul, até agora, não tinha optado pela recuperação judicial. Em 2024, a empresa deu início a um processo de reestruturação, concluído em janeiro deste ano, para tentar aliviar preocupações de investidores sobre sua situação financeira.

No começo deste ano, a companhia aérea havia dito que se viu, em 2024, diante de cenários externos além do seu controle. A empresa citou desvalorização do real frente ao dólar, custos elevados de operação impactados pelo preço do querosene de aviação, alto índice de judicialização no setor, crise na cadeia de produção e as enchentes no Rio Grande do Sul, que interromperam a operação no aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre.

Para o economista José Roberto Afonso, o Chapter 11 é o caminho ideal para a reestruturação financeira das companhias aéreas. Ele destaca, porém, que as três companhias brasileiras estão bem operacionalmente, ou seja, estão voando dentro do horário, sem grandes problemas, diz.

“O governo brasileiro não ajudou em nada com o setor [durante a pandemia], e cada empresa foi encontrar a sua solução. A verdade é que hoje a gente tem a Latam, que foi a primeira a recorrer ao Chapter 11, e está muito bem”, afirma Afonso.

André Castellini, cofundador da consultoria Bain & Company, compartilha da mesma ideia. Ele diz que, apesar dos bons resultados da Azul no âmbito operacional, a empresa herdou dívidas da pandemia.

“As companhias aéreas já eram endividadas, porque todo o setor é endividado, mas, quando houve a pandemia, a atividade parou. Só que a dívida estava lá, acumulando juros. As três empresas [Gol, Latam e Azul] tomaram medidas em momentos diferentes”, diz.

A Azul informou neste mês que registrou um prejuízo líquido ajustado de R$ 324,2 milhões no primeiro trimestre deste ano. O número representa uma melhora de 55% em relação ao resultado negativo registrado pela companhia aérea no mesmo período do ano passado.

Apesar do prejuízo, a companhia divulgou recorde no Ebitda, que mede a geração de caixa, para um primeiro trimestre. O indicador alcançou a marca de R$ 1,4 bilhão, crescimento de 37,4% na comparação com o início do ano passado.

As companhias aéreas vêm negociando recursos com o governo para ajudá-las a atravessar a crise imposta pela pandemia. Representantes do mercado e as próprias companhias costumam reclamar da judicialização e do preço do querosene de aviação, entre outros fatores que elevam o custo operacional no Brasil, segundo o setor.

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