GIOVANA KEBIAN
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
A Justiça de São Paulo determinou que a prefeitura da cidade apresente, em até 60 dias, um cronograma para alterar os nomes de ruas e locais que homenageiam militares e figuras ligadas à repressão durante a ditadura militar.
A gestão Ricardo Nunes (MDB) disse que ainda não foi notificada sobre a sentença, mas que pretende recorrer. Ao todo, 11 endereços deverão ser rebatizados: oito ruas e avenidas, uma praça, uma ponte, um centro de esportes e um crematório.
O juiz Luiz Manoel de Fonseca Pires, da 3ª Vara de Fazenda Pública, aceitou a ação civil pública movida pelo Instituto Vladimir Herzog em conjunto com a Defensoria Pública da União, nesta segunda-feira (19).
“Há mais de dez anos o poder público municipal é omisso quanto à renomeação desses espaços públicos em cumprimento ao direito à memória política”, considerou o magistrado na sentença.
Em 2013, uma lei municipal permitiu a alteração de nomes de ruas e equipamentos públicos na cidade de São Paulo. Na época, o prefeito era Fernando Haddad (PT).
Três anos depois, a prefeitura instituiu o programa Ruas de Memória, com o objetivo de alterar progressivamente os nomes de locais que prestam homenagem a pessoas, datas ou fatos associados à grave violação de direitos humanos. Segundo o Instituto Vladimir Herzog, o programa foi descontinuado.
A Procuradoria Geral do Município diz que não houve paralisação e que aguarda a aprovação de um projeto de lei que prevê a alteração dos nomes desses endereços pela Câmara.
A Comissão da Memória e Verdade mapeou 38 locais com nomes ligados à ditadura militar na cidade, sendo 22 deles com relação direta com a repressão. Além disso, 17 equipamentos municipais, incluindo 12 escolas e cinco ginásios, também foram incluídos na lista.
A sentença pede a renomeação de 11 casos a fim de cumprir as legislações que preveem o direito à memória.
Lorrane Rodrigues, coordenadora de Memória, Verdade e Justiça do Instituto Vladimir Herzog, chama atenção para o caso do Crematório Municipal de Vila Alpina, que em 1988 foi rebatizado em homenagem a Jayme Augusto Lopes, então diretor do serviço funerário da cidade.
“Essa pessoa que está homenageada dentro do crematório foi até a Europa para estudar o sistema de cremação em um momento coincidente com as práticas do desaparecimento forçado”, afirma.
Entre as vias apontadas, está a rua Trinta e Um de Março, em homenagem à data que marca o golpe de 1964, que deu início ao regime militar.
“O nome de uma rua, o nome de um edifício, ele é um elemento importante de identidade de um lugar”, afirma Rodrigues.
Na ação, a Justiça também reconheceu que o direito à memória não está suficientemente presente nas políticas públicas.
Em 2020, uma pesquisa do Datafolha apontou que 65% da população brasileira nunca tinha ouvido falar no Ato Institucional nº 5, que deu início ao período de maior repressão da ditadura.
Para André Matheus, advogado responsável pela ação do instituto, a sentença favorável poderá incentivar organizações de outros estados a desenvolverem ações semelhantes.
“Cria um precedente importante para todo o país porque em vários estados existem estádios públicos, prédios que recebem nomes ainda da ditadura militar”, afirma.
Em dezembro de 2024, a Justiça já havia concedido uma liminar favorável ao Instituto Vladimir Herzog determinando a revisão dos nomes dos mesmos endereços. Mas a decisão foi derrubada após recurso da administração municipal.
VEJA QUAIS SÃO OS 11 ENDEREÇOS
1. Crematório Dr. Jayme Augusto Lopes – zona leste
O Crematório Municipal de Vila Alpina, inaugurado em 1974, foi rebatizado em 1988 em homenagem a Jayme Augusto Lopes, então diretor do serviço funerário do município de São Paulo. Seu nome está ligado à utilização dos cemitérios públicos para o desaparecimento forçado durante a ditadura militar.
Depoimentos colhidos pela CPI de Perus apontaram que corpos exumados foram clandestinamente enterrados na vala de Perus, no período em que Lopes dirigia o Departamento de Cemitérios.
2. Centro Desportivo Caveirinha – zona sul
Situado na Rua Servidão de São Marcos, zona sul de São Paulo, o centro homenageia o general Milton Tavares de Souza, também conhecido como “Caveirinha”. Ele foi chefe do Centro de Informações do Exército (CIE) de novembro de 1969 a março de 1974 e liderou a Operação Marajoara, que resultou no extermínio da Guerrilha do Araguaia.
3. Avenida Presidente Castelo Branco (Marginal Tietê) – zona norte/centro
Castelo Branco foi uma das lideranças do golpe de 1964 e foi o primeiro presidente da ditadura.
4. Ponte das Bandeiras (Senador Romeu Tuma) – zona norte/centro
Em 2017, a Câmara Municipal de São Paulo aprovou a mudança do nome da Ponte das Bandeiras para Ponte das Bandeiras Senador Romeu Tuma, em homenagem ao ex-senador e ex-diretor do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), órgão da repressão durante a ditadura.
5. Rua Alberi Vieira dos Santos – zona norte
Ex-sargento da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, foi colaborador do Centro de Informações do Exército (CIE). Teve participação na armação de emboscadas e chacinas de resistente, em detenções ilegais, assassinatos, desaparecimento forçado de pessoas e ocultação de cadáveres.
6. Rua Dr. Mario Santalucia – zona norte
Médico-legista do Instituto Médico Legal do estado de São Paulo (IML/SP). Teve participação em caso de emissão de laudo necroscópico fraudulento.
7. Praça Augusto Rademaker Grunewald – zona sul
Almirante, foi ministro da Aeronáutica, atuou no movimento que instaurou o regime militar. Foi vice-presidente entre 1969 e 1974, durante o governo de Emílio Garrastazu Médici, considerado o período mais intenso de repressão.
8. Rua Délio Jardim de Matos – zona sul
Militar brasileiro, ministro da Aeronáutica entre 1979 e 1984, foi um dos principais articuladores do golpe. No governo Castelo, integrou o gabinete militar da Presidência da República.
9. Avenida General Enio Pimentel da Silveira – zona sul
General, foi comandante da 1ª companhia de Polícia do Exército, na Vila Militar do Rio de Janeiro, de maio de 1968 a julho de 1971, período em que ocorreram na unidade os casos de morte sob tortura de Severino Viana Colou e Chael Charles Schreier.
Serviu também no Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) do Exército, órgão onde pessoas foram torturadas e mortas.
10. Rua Dr. Octávio Gonçalves Moreira Júnior – zona oeste
Delegado de Polícia, serviu no DOPS e no DOI-CODI. Teve participação em casos de tortura e ocultação de cadáveres. Foi morto em 1973 por militantes da resistência à ditadura.
11. Rua Trinta e Um de Março – zona sul
Dia da deposição do presidente João Goulart, a data marca o início do regime ditatorial do país em 1964.