RAPHAEL DI CUNTO, MARIANNA HOLANDA E RANIER BRAGON
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
Lideranças da Câmara dos Deputados jantaram nesta terça-feira (20) com o decano do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Gilmar Mendes, para discutir os problemas na relação entre Legislativo e Judiciário e buscar formas de evitar que os atritos escalem para uma nova crise entre os Poderes.
Ainda que nem todos os problemas tenham sido discutidos, a lista de ruídos vai desde o projeto de anistia aos condenados pelos ataques golpistas do 8 de Janeiro à decisão da Câmara de travar a ação penal contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) –iniciativa que foi rejeitada pelo STF–, passando pelas crises de emendas parlamentares.
O encontro reuniu líderes e presidentes de partidos numa casa no lago Sul, bairro nobre de Brasília. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), estava em reunião com prefeitos da Paraíba e não participou –mas Gilmar saiu do jantar dizendo que iria se encontrar com Motta ainda naquela noite.
O jantar contou com parlamentares do PT, Republicanos, União Brasil, MDB, PP, PC do B, PSD, entre outros, e foi marcado para buscar alternativas para os conflitos entre Congresso e o Supremo.
De acordo com relatos, os parlamentares e o ministro defenderam a necessidade de votar uma agenda de projetos de interesse do Brasil, ligados à saúde, educação e segurança pública, para tirar o foco de atritos em torno da tramitação do projeto da anistia.
Horas antes, em reunião com líderes partidários, Motta foi cobrado pelo deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) e por outros da oposição por um posicionamento público sobre o projeto e afirmou que não há consenso na Casa sobre anistia ampla para os presos e condenados e que o texto não passará na força.
Segundo o presidente da Câmara, de nada adianta votar uma anistia ampla no plenário da Casa, no Senado e que o presidente Lula (PT) a sancione porque o STF vai declará-la inconstitucional depois. A fala foi mal recebida pelo PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, que tem pressionado Motta para que o texto avance.
No entendimento dos presentes no jantar, o enfrentamento ao STF se tornou uma bandeira do PL e é preciso que a Câmara debata outras pautas para sair desse assunto. Nesta quarta-feira (21), Motta anunciou a criação de um grupo de trabalho para discutir medidas para uma reforma administrativa nas carreiras do serviço público.
Outro tema que surgiu no encontro com o ministro foram as emendas parlamentares. A crise, em comparação com o ano anterior, arrefeceu, após costura feita pela cúpula do Congresso com o STF. Um acordo com o ministro Flávio Dino autorizou o pagamento dos recursos, represados desde agosto passado.
Há ainda, contudo, algumas emendas paradas e muito ruído em torno de investigações que têm parlamentares na mira, em especial o inquérito aberto pela Polícia Federal por determinação de Dino para investigar o ofício assinado pelos líderes da Câmara em dezembro para tentar manter sigilo sobre os autores das emendas de comissão.
Gilmar, por sua vez, afirmou aos parlamentares que o STF está unânime a favor de medidas que reforcem as decisões da corte como, por exemplo, a posição de que o Congresso só pode suspender o andamento de ações penais por fatos ocorridos após a diplomação do denunciado.
Por isso, um recurso impetrado pela Câmara para análise no plenário do caso Ramagem, réu juntamente com Bolsonaro e outros em ação penal da trama golpista, também não deve prosperar, segundo informou o decano.
A Primeira Turma do STF derrubou, por unanimidade, há duas semanas, a manobra da Câmara para tentar suspender a ação penal contra Ramagem. Os ministros entenderam que o processo instaurado a partir da denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República) só poderia paralisar 2 dos 5 crimes imputados a ele. Motta recorreu.
Outro assunto que nenhum ministro do STF apoiará, antecipou Gilmar aos parlamentares, é a PEC (proposta de emenda à Constituição) que restringe as decisões individuais (monocráticas) dos tribunais superiores. O texto já foi aprovado pelo Senado e é lembrado sempre por deputados em momentos de conflito com o Judiciário.
Gilmar foi procurado, mas não retornou os contatos da reportagem.