O ex-comandante do Exército e general da reserva Marco Antônio Freire Gomes prestou depoimento ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta segunda-feira, 19, e confirmou que recebeu um plano do governo Bolsonaro para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O general da reserva é uma das testemunhas de acusação no processo em que o ex-presidente Jair Bolsonaro é acusado de tentativa de golpe de Estado e foi ouvido em audiência conduzida pelo relator do caso, ministro Alexandre de Moraes.
Reuniões com Bolsonaro, ministro e chefes das Forças
O ex-comandante do Exército confirmou que se reuniu com o então ministro da Defesa Paulo Sérgio Oliveira, os outros dois chefes das Forças Armadas e Jair Bolsonaro para discutir o conteúdo da chamada “minuta golpista”.
De acordo com Freire Gomes, em uma das reuniões, foi apresentado um documento que se assemelhava à minuta do golpe, encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres.
“Talvez ele tenha nos apresentado por questão de consideração por alguns trechos do documento dizer respeito a Estado de Defesa, GLO. Estava nos dando conhecimento de que iria começar esses estudos”, afirmou Freire Gomes.
O militar acrescentou que os “considerandos” eram embasados na Constituição: “Ele apresentou esses considerandos, todos eles embasados em aspectos jurídicos, na Constituição, por isso não nos chamou atenção. Como ainda ia ser estudado, nós aguardamos uma manifestação do senhor presidente”.
Freire Gomes diz que se posicionou contra intervenção no processo eleitoral
O ex-comandante do Exército disse que, naquela primeira reunião, as propostas foram apresentadas como hipóteses em estudo, que ainda seriam aperfeiçoadas. Ele teria, nesses encontros seguintes, se posicionado contra a tentativa de intervir no processo eleitoral e alertado Bolsonaro dos riscos que corria em uma investida golpista.
“Eu alertei com toda a educação de que as medidas que eventualmente ele quisesse tomar, ele deveria atentar para todas as questões, desde o apoio, nacional e internacionalmente, o Congresso, a Justiça. Se ele não jogasse todos os aspectos jurídicos, além de não poder contar com nosso apoio, poderia ser enquadrado juridicamente”, disse o general, no depoimento.
Freire Gomes afirmou que a série de reuniões entre ele, os chefes da Marinha e da Aeronáutica e auxiliares de Jair Bolsonaro teve como resultado o consenso de que não havia base legal para o emprego das Forças Armadas para interferir no resultado das eleições. De acordo com seus relatos, o então ajudante de ordens da Presidência, tenente-coronel Mauro Cid, o chamou, no dia 9 de dezembro, para uma conversa com o presidente
Pressão de ‘outros grupos’
No encontro do dia 9 de dezembro, Freire Gomes contou que o motivo do encontro seria para acalmar o presidente, que teria sido dissuadido da ideia de decretar Garantia da Lei e da Ordem, Estado de Sítio ou Estado de Defesa para evitar a posse de Lula, mas estaria sofrendo pressão de “outros grupos”. “Tinham grupos de fora, inclusive de civis, que poderiam levar o presidente a tomar outras medidas”, disse.
Segundo o ex-comandante, a chamada “Carta ao Comandante do Exército de Oficiais Superiores da Ativa do Exército Brasileiro” foi assinada por 37 militares e recebido por Mauro Cid – e interpretada como uma pressão para que ele aderisse a uma tentativa de golpe de Estado.
“Esse tipo de procedimento, essa carta de militares da ativa, ele é inaceitável do ponto de vista de hierarquia e disciplina do Exército. Inconcebível. E de imediato nós tomamos as providências. Não cabe a qualquer militar da ativa se pronunciar em assuntos políticos”, disse.
E acrescentou: “Embora entenda que esse movimento possa ter vindo de fora, esse procedimento de carta de militares da ativa é inadmissível no Exército. Não cabe a nenhum oficial da ativa fazer pronunciamentos políticos, muito menos se dirigir ao comandante da Força”.
Exército não violaria a Constituição
Freire Gomes afirmou ainda que avisou Jair Bolsonaro que o Exército não participaria de nenhuma iniciativa que violasse a Constituição. O ex-comandante negou que teria sugerido dar voz de prisão a Bolsonaro quando ouviu as propostas do então presidente: “Eu teria dado voz de prisão ao presidente? Não aconteceu isso, de forma alguma”, disse.
“O que alertamos ao presidente foi que ele deveria se atentar a todos esses aspectos. E que no Exército não iríamos participar de qualquer coisa que extrapolasse nossa competência constitucional”, disse o general da reserva.
Moraes repreendeu Freire Gomes
O ministro do STF Alexandre de Moraes repreendeu o ex-comandante do Exército durante o depoimento na sede da Corte. O magistrado afirmou que o militar mudou a versão dada à PF de que o ex-comandante da Marinha almirante Almir Garnier Santos teria concordado com o plano de golpe de Jair Bolsonaro.
Questionado pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, sobre a anuência de Garnier com o plano de impedir a posse do presidente Lula disse não ser possível saber se houve, de fato, adesão ao intento golpista.
“Eu estava focado na minha missão de lealdade, de ser franco com o presidente. Que eu me lembre, o que o ministro da Defesa (Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira) fez foi ficar calado. O almirante Garnier não me lembro de ele ter falado (a favor do golpe). Ele demonstrou apreço. Não interpretei como nenhum tipo de conluio”, disse.
Moraes interrompeu o interrogatório e solicitou ao ex-chefe do Exército que pensasse bem antes de responder, porque “testemunha não pode omitir o que sabe”. “Se mentiu na polícia, tem que dizer que mentiu na polícia. A testemunha foi comandante do Exército, está preparado para situações de pressão”, disse o ministro do STF. “O senhor disse na polícia que Garnier se colocou à disposição do presidente. Ou o senhor falseou na polícia ou está falseando aqui”, completou.
Em resposta, Freire Gomes disse que “jamais mentiria” e que não poderia “inferir o que ele queria dizer com ‘estar com o presidente'”.
Estadão conteúdo