SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
O decreto com as novas regras para a EAD (educação a distância) no ensino superior são um primeiro passo, mas ainda consideradas insuficientes para garantir melhora na qualidade das graduações ofertadas no país. Essa é a avaliação de especialistas e entidades do setor.
O decreto foi assinado pelo presidente Lula (PT) nesta segunda-feira (19). As regras eram esperadas desde dezembro, mas foram adiadas sucessivas vezes.
Segundo o Ministério da Educação, a mudança visa aumentar a qualidade dos cursos. Desde 2023, o ministro Camilo Santana demonstra preocupação com as graduações na modalidade, sobretudo, nas licenciaturas.
Com o decreto, os cursos de formação de professores da educação básica, ou seja as licenciaturas, não podem mais ser ofertados na modalidade a distância. Eles agora deverão seguir, no mínimo, o formato semipresencial -que prevê que metade da carga horária possa ser ministrada a distância e a outra metade seja dividida em atividades presenciais (30%) e de forma online em tempo real (20%).
“É uma medida importante, mas ainda insuficiente. Reservar só 30% do curso para atividades presenciais ainda é muito pouco para formar bem um professor, mas já é uma melhora em relação ao que acontece atualmente”, diz Carlota Boto, diretora da Faculdade de Educação da USP.
Para ela, a falta de interação entre o aluno com os docentes e os colegas de turma no ensino a distância prejudica a formação para atuar como professor da educação básica.
“O docente possui um impacto muito grande na vida dos alunos e isso só ocorre com a interação, quando há uma relação, uma dinâmica que seja ao mesmo tempo, reflexiva, crítica e criativa. Quanto mais o professor coloca questões da realidade para os seus alunos, seja ele de que disciplina for, maior será a possibilidade de preparar um futuro professor preparado para a realidade escolar.”
Márcia Jacomini, professora do Departamento de Educação da Unifesp, também avalia que as mudanças são bem-vindas, mas ainda dependem de maior regulamentação para terem efeito na qualidade dos cursos. Ela cita, por exemplo, que é importante haver uma orientação sobre o tipo de atividade que será ofertada presencialmente.
“Seria importante que as aulas presenciais estivessem ligadas a conteúdos mais práticos, que ajudem a pensar na dinâmica escolar. Há ainda um risco das instituições terem a opção de contabilizar o estágio obrigatório dentro dessa carga horária presencial, o que neutralizaria as mudanças”, diz.
Além das licenciaturas, os cursos da área da saúde também só poderão ser ofertados no formato presencial ou semipresencial. Foi vetada a oferta de cursos EAD em medicina, direito, odontologia, enfermagem e psicologia.
Em nota, a Abmes (Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior), que representa faculdades particulares, disse ter considerado positiva a publicação do decreto. “A medida era aguardada pelo setor particular de educação superior e representa um avanço ao restabelecer o calendário regulatório e conferir segurança jurídica às instituições de ensino superior, especialmente no que se refere à expedição de diplomas e trâmites de reconhecimento de cursos.”
Sobre a natureza das mudanças, a entidade ainda fará uma análise técnica detalhada do decreto para avaliar se será preciso adotar “medidas para defender os interesses legítimos das instituições particulares de ensino superior, inclusive no âmbito jurídico, caso sejam identificadas inconstitucionalidades ou dispositivos que comprometam a sustentabilidade, a livre iniciativa e a qualidade da oferta educacional”.
O Semesp (Sindicato das Entidades Mantenedoras de Ensino Superior), que também representa o setor provado, também disse que fará análise mais detalhada e pode sugerir ajustes necessários para o aperfeiçoamento do ensino superior do país.
Para Francisco Borges, consultor de gestão da FAT (Fundação de Apoio à Tecnologia), as novas regras devem encarecer os cursos ofertados na modalidade semipresencial e também na EAD, já que foi determinada a presença do mediador pedagógico nos dois modelos.
Segundo as novas regras, as atividades a distância em tempo real devem ser realizadas com, no máximo, 70 estudantes por docente ou mediador pedagógico.
“Qual a diferença entre uma aula online com 70 pessoas ou com 100 ou 120, se o chat é mediado por Inteligência Artificial, com respostas imediatas e filtradas? Se, em caso de dúvidas, os alunos podem acessar apostilas e outros conteúdos digitalizados, sem precisar sair do computador?”, questiona Borges.
Conforme mostrou a Folha de S.Paulo, apesar da explosão do número de alunos matriculados, a rede privada reduziu o quadro de professores nos últimos anos. Algumas instituições de ensino chegam a ter mais de mil alunos matriculados para cada docente em cursos a distância.
“Estamos falando de um cenário que democratizou o acesso à educação. Por muito tempo, o ensino superior presencial se apresentava como uma alternativa inviável”, diz Borges.
Em artigo para a Folha de S.Paulo, o consultor João Vianney, sócio da Hoper Educação, também defende a importância da EAD no acesso ao ensino superior e afirma que as mudanças podem afetar comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas e alunos de cidades pequenas.
Segundo ele, o MEC partiu de premissas equivocadas para justificar a necessidade de reformular as regras para o setor. Uma delas é a de que alunos da EAD devem estudar segundo modelos de aprendizagem interacionistas, limitando o número de estudantes em atividade síncrona.
“Essa lógica, se encontra aderência no ensino fundamental, não se aplica em teorias de aprendizagem para ensino de adultos. E contradiz a opção global de atendimento personalizado, com individuação no suporte. A tese do MEC, portanto, é inválida. Gera custos e retira flexibilidade, sem agregar qualidade”, argumenta.