Trump anuncia, mais uma vez, negociação de paz após falar com Putin

IGOR GIELOW
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, passou duas horas e cinco minutos ao telefone com seu colega russo, Vladimir Putin, nesta segunda-feira (19). Ao fim, fiel a seu estilo, anunciou em rede social que as conversas de paz entre Rússia e Ucrânia “começariam imediatamente” -ignorando que elas foram iniciadas na semana passada.

Coube ao longevo líder russo, em fala a repórteres antes da postagem do americano, explicar as entrelinhas. Putin disse aceitar a negociação de um memorando com os itens que considera essenciais à paz -em outras palavras, seus termos- e só então seria possível discutir o cessar-fogo que Trump tanto pressionava para que ele aceitasse.

Foi a terceira ligação divulgada entre os líderes desde que Trump voltou à Casa Branca, em janeiro, encerrando o rompimento total que marcou a relação das maiores potências nucleares do planeta desde que Putin invadiu a Ucrânia, em 2022.

Segundo Putin disse em um centro educacional do balneário do mar Negro de Sochi, de onde fez a ligação, a conversa foi “produtiva e bem franca”. “Estamos no caminho certo, de forma geral”, afirmou. Ele disse, contudo, que uma trégua é possível apenas “quando certos acordos forem feitos”.

Disse estar pronto para trabalhar em um “memorando de acordo de paz” com os ucranianos, mantendo a posição de só aceitar um cessar-fogo quando o que considera “as causas do conflito” for negociado. Ou seja, manter a Ucrânia neutra militarmente e tomar para si as áreas que anexou ilegalmente em 2022, condições mínimas que já havia divulgado.

O republicano havia ligado antes para o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, e voltou a chamá-lo.
Na rede Truth Social, Trump vendeu uma versão mais otimista e a temperou com promessas comerciais aos russos. “A Rússia quer um comércio de larga escala com os EUA quando esse catastrófico banho de sangue acabar, e eu concordo. Da mesma forma, a Ucrânia pode ser uma grande beneficiária”, disse.

Ele então anunciou que “negociações irão começar imediatamente”. Na verdade, elas haviam recomeçado diretamente entre Kiev e Moscou na semana passada, na Turquia. Disse ter informado Zelenski e aliados, e que o papa Leão 14 disse “estar muito interessado” em sediar as conversas.

Depois, na Casa Branca, Trump afirmou que falou com os europeus para “amarrar a coisa toda”. A primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, disse que seus pares apoiam a reunião no Vaticano.

Com isso, Trump tenta salvar sua imagem no processo truncado e difícil de negociação. Putin ganha tempo, restando a Kiev aceitar ou não o encaminhamento todo. A primeira sinalização, na forma de uma fala de Zelenski a jornalistas na capital ucraniana, indica que sim.

Ele não criticou os termos da conversa entre Trump e Putin, como já fizera anteriormente. Disse que os EUA estão dispostos a reforçar sanções contra Moscou em caso de violação de um eventual cessar-fogo e que propõe um encontro direto com o russo, o americano e líderes europeus.

De seu lado, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, escreveu no X que é importante o engajamento americano e agradeceu a Trump pelo esforço. Segundo o assessor presidencial russo Iuri Uchakov, ambos, Putin e Trump, querem se encontrar pessoalmente -mas não há, assim como em relação à Ucrânia, um cronograma estabelecido.

O americano vem sinalizando exasperação com a falta de saída para a crise, que busca mediar desde que voltou ao poder. Russos e ucranianos chegaram a se reunir pela primeira vez desde 2022, mas não concordaram com um cessar-fogo.

Nos meios políticos russos, há a sugestão de que os combates só serão suspensos se a Ucrânia de cara abrir mão do que restou sob seu controle dos quatro territórios que Putin tomou: Donetsk, Lugansk, Zaporíjia e Kherson. Kiev rejeita isso.

Pouco antes dos telefonemas, o vice-presidente americano, J. D. Vance, havia dito que a situação havia chegado a um impasse e voltou a dizer que os EUA devem se retirar do processo para tentar acabar com o mais sangrento conflito em solo europeu desde 1945 caso fracassem.

“Nós percebemos que há um pequeno impasse aqui. Sinceramente, acho que o presidente Putin não sabe muito bem como sair da guerra”, disse Vance antes de deixar a Itália. “É preciso dois para dançar um tango. Se a Rússia não estiver disposta, então vamos simplesmente dizer: esta não é a nossa guerra.”

Ele já usou essa terminologia, que sugere o abandono do apoio americano a Kiev, antes, mas não foi endossado por Trump, que busca negociar no estilo vaivém com Zelenski e Putin.

O presidente chegou a congelar o envio de armamentos para os ucranianos, mas ele foi retomado quando Zelenski passou a flexibilizar sua posição, além de aceitar um acordo de exploração conjunta de minerais estratégicos com Washington.

Os EUA são os maiores apoiadores de Kiev. Desde o começo da guerra até o fim de fevereiro, segundo o Instituto para a Economia Mundial de Kiel (Alemanha), Washington enviou sozinha o equivalente hoje a R$ 727 bilhões, ante R$ 875 bilhões de todos os países europeus juntos.

Mais importante, 56% da ajuda americana é militar, em armas. O valor é cinco vezes maior do que o doado pelo segundo maior apoiador bélico da Ucrânia, a Alemanha. Desde a volta de Trump, os países do continente discutem como aumentar o fluxo.

As conversas ocorrem em um momento particularmente violento do conflito. No domingo (18), a Rússia havia lançado o maior ataque com drones contra a Ucrânia na guerra.

Foram disparados 273 aparelhos, com 88 sendo derrubados e 128, caindo sem consequências provavelmente eram de modelos inertes, sem explosivos e construídos com material barato, que servem para atrair as defesas aéreas e revelar suas posições aos rivais. Nesta segunda, ao menos cinco pessoas morreram em bombardeios no país.

Na via inversa, nesta segunda um drone matou uma pessoa na região russa de Belgorodo, segundo as autoridades locais. Foi também decretado um alerta de ataque contra o balneário de Sochi, no mar Negro, onde Putin passou o dia em reuniões.

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