LUÍSA MONTE
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
O AVC (acidente vascular cerebral) é a maior causa de mortes cardíacas no Brasil e a segunda no mundo, atrás apenas do infarto. Só em 2024 foram mais de 84 mil mortes pela causa, segundo o Portal de Transparência dos Cartórios. Ainda assim, a rede pública de saúde não está totalmente preparada para atender quem manifesta os sintomas, nem consegue preveni-los.
Segundo estudo publicado na revista Neurology, da Academia Americana de Neurologia, que analisou AVCs isquêmicos de 1990 a 2023, a maioria dos casos esta associada a fatores de risco modificáveis, e a hipertensão é o principal deles. No Brasil, estima-se que 50,7 milhões de pessoas sejam afetadas pela doença, o que representa 45% da população, mas só 33% do grupo mantêm a pressão controlada, segundo dados da OMS (Organização Mundial de Saúde).
Uma vez que o paciente não se preveniu e que apresentou os sintomas mais comuns do AVC -fraqueza ou formigamento em um lado do corpo, dificuldade para falar, problemas de visão, dor de cabeça intensa e alterações de equilíbrio-, ele pode não ter um hospital preparado a uma distância próxima o suficiente que possa atendê-lo. O principal protocolo para AVC, o trombolítico, precisa ser realizado em até 4 horas e 30 minutos após os sinais.
O problema no combate ao AVC isquêmico, o mais comum, é a ausência de hospitais capacitados, principalmente nos interiores dos estados. Em 2012, foram criados centros do SUS (Sistema Único de Saúde) especializados no atendimento ao AVC, financiados pelo Ministério da Saúde, que atualmente totalizam 119. A distribuição deles, contudo, é desigual.
No estado do Pará, por exemplo, há somente um hospital, privado, habilitado ao procedimento de trombólise (procedimento que utiliza medicamentos para dissolver coágulos sanguíneos em vasos sanguíneos), segundo a Sociedade Brasileira de AVC. Já no Amazonas, só há hospitais habilitados na capital, Manaus.
O procedimento de trombectomia mecânica atualmente está habilitado em 13 hospitais, nenhum deles localizado nas regiões Norte ou Centro-Oeste. Segundo Maramélia Miranda, coordenadora da Academia Brasileira de Neurologia, há uma lista grande de centros de saúde que aguardam a liberação da habilitação pelo Ministério da Saúde, sem resposta.
“A própria cidade de São Paulo tem três hospitais habilitados. Era para ter muito mais, considerando a população de 11 milhões de pessoas. É uma ação que precisa partir dos hospitais”, diz a neurologista. Ela diz que Sociedade de AVC, da qual também faz parte, trabalha buscando os hospitais e as Secretarias de Saúde para tentar estimular a região a se habilitar.
Procurado, o Ministério da Saúde diz disponibilizar atualmente 17 procedimentos para o tratamento do AVC no SUS, incluindo o uso de trombolítico e, desde novembro de 2023, a trombectomia mecânica, incorporada pela Portaria GM/MS nº 1.996 como parte da ampliação da linha de cuidado ao AVC isquêmico agudo.
Afirma ainda que a organização da rede assistencial e o cumprimento dos protocolos definidos e custeados pelo Ministério da Saúde são responsabilidades das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, incluindo a estruturação das unidades e a regulação do acesso.
Maramélia diz que, para melhorar a situação, o ideal é que a saúde pública faça campanhas para a população aprender como deve agir quando tiver os primeiros sintomas: correr para um hospital habilitado (e não para uma UBS) e realizar um exame de tomografia. As redes de saúde, incluindo o SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), precisam estar organizadas para direcionar os pacientes para o lugar certo, diz a médica, além de estimular a prevenção com o controle da hipertensão.
AVALIAÇÃO DOS SINTOMAS
Quando uma pessoa sente os principais sintomas de um AVC, o ideal é dirigir-se para um hospital habilitado a tratar a condição. São necessárias equipes de profissionais e equipamentos específicos para o enfrentamento.
Hideraldo Cabeça, neurologista e 1º secretário do CFM (Conselho Federal de Medicina), explica como funciona o protocolo. “Primeiramente, é preciso saber se o médico está diante de um acidente vascular isquêmico ou de um acidente vascular hemorrágico, fazendo um exame de tomografia computadorizado”. Segundo dados do Ministério da Saúde, 85% dos casos correspondem ao AVC isquêmico.
O protocolo para o AVC isquêmico é a realização da trombólise, que precisa ser feita dentro de uma janela de 4 horas e 30 minutos após o aparecimento dos sintomas. “Se antes de 4h30 for possível fazer o diagnóstico, é possível usar o trombolítico. Se bem indicado, obedecendo aos critérios de inclusão e exclusão, após a trombólise, os indivíduos voltam a falar, voltam a mexer progressivamente e, assim, evita-se um paciente sequelado”, diz o neurologista.
Já a trombectomia mecânica pode ser realizada até 24 horas após o início dos sintomas. Ela passou a ser oferecida no SUS com dois anos de atraso após a comunicação de portaria, ainda em 2021, durante o governo Bolsonaro.
CONTROLANDO A HIPERTENSÃO
Hipertensão é uma doença que eleva a pressão com que o sangue circula nas artérias e veias. A doença é multifatorial, ou seja, não tem uma causa única, mas os médicos buscam por sinais como histórico familiar, sedentarismo, obesidade, tabagismo e o consumo excessivo de sal na hora de avaliar o risco.
A Sociedade Brasileira de Cardiologia considera pressão arterial elevada de 140 por 90 mmHg (conhecida por 14 por 9, na linguagem popular), quando medida em consultórios, enquanto em casa uma pressão já considerada acima do normal é de 130 por 80 (13 por 8).
Segundo Marcelo Calil Burihan, membro da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular, a hipertensão torna-se um fator de risco porque a grande pressão sanguínea pode provocar dois tipos de Acidente Vascular Cerebral (AVC):
– AVC hemorrágico: quando ocorre o rompimento dos vasos cerebrais, provocando um sangramento no cérebro.
– AVC isquêmico: quando ocorre uma obstrução das artérias que levam sangue ao cérebro, impedindo que o órgão receba oxigênio e nutrientes.
É possível controlar a hipertensão, evitando também um AVC, tomando os medicamentos e adotando um estilo de vida saudável, com a prática regular de atividades físicas, um consumo moderado de sal (uma colher de chá por dia, segundo a OMS), evitando alimentos ultraprocessados, álcool e cigarro e cuidando da saúde mental.