Desde sábado, Cracolândia do centro de São Paulo esvaziou

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A Rua dos Protestantes, via no centro de São Paulo que abrigava o fluxo da Cracolândia, como é chamada a aglomeração de usuários de drogas em cenas abertas de uso, amanheceu esvaziada no começo desta semana.

Havia apenas duas viaturas da Guarda Civil Metropolitana (GCM), uma em cada extremidade da rua, quando o Estadão esteve no local, por volta das 16h de ontem. “Vamos continuar fazendo patrulha aqui”, disse uma guarda, que preferiu não se identificar. Ao lado dela, outros três agentes encaravam o vazio da rua, ainda com a água secando no chão por causa de uma limpeza recente.

Havia até engarrafamento de curiosos para olhar o espaço onde os usuários ficavam, rente a um muro de concreto construído pela Prefeitura. Um motorista que passou por ali no sentido da Estação da Luz até gritou: “Cadê os usuários que estavam aí?”. Ninguém parecia saber responder.

Até a semana passada, moradores estimam que cerca de 200 dependentes químicos se amontoavam na Rua dos Protestantes, em espaço quase no encontro da Rua General Couto de Magalhães. O fluxo se estabeleceu por ali no fim de 2023, com mudanças pontuais para outros endereços, como no trecho da Rua Mauá rente à Estação da Luz.

SURPRESA

O prefeito Ricardo Nunes (MDB) se mostrou ontem surpreso com o esvaziamento repentino do local, mas destacou as ações que vinham sendo adotadas nos últimos meses. “Não dá para dizer que está resolvido.

Mas podemos associar algumas questões a essa situação”, acrescentou. Entre os fatores que contribuíram para o esvaziamento da Cracolândia, na visão do prefeito, estão as ações do governo do Estado e da Prefeitura para enfraquecer o tráfico na Favela do Moinho, comunidade próxima dali que tem sido alvo de desocupação.

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública do Estado (SSP) afirmou que o centro de São Paulo, em especial as cenas abertas de uso, são “prioridade da gestão, que tem atuado de forma multissecretarial, em conjunto com a Prefeitura, para combater a criminalidade, principalmente o tráfico de drogas, requalificar vias, e oferecer apoio e uma saída viável aos dependentes químicos”.

A secretaria afirma ainda que um conjunto de ações permitiu “a diminuição crescente do número de dependentes químicos na região e a requalificação de vias que antes eram tomadas pelo fluxo”. Conforme a pasta, no primeiro trimestre deste ano, as forças de segurança apreenderam 600 quilos de entorpecentes na região.

Os agentes que acompanham o dia a dia da região também relatam o esvaziamento nos últimos dias. “O número já vinha diminuindo bastante. Ficam os grupos pequenos, de 15 a 30 pessoas, mas nenhum grupo de 100, 200 pessoas”, afirma um agente da GCM.

Comerciantes também perceberam o esvaziamento no fim de semana. “Cheguei para trabalhar e me assustei. Até brinquei com o vizinho: ‘Estão de folga?’”, diz o lojista Antônio da Costa, de 73 anos.

Apesar de o prefeito ter afirmado que foi pego de surpresa com o esvaziamento da Rua dos Protestantes, o vice-prefeito Mello Araújo (PL) afirmou ao Estadão que duas ações retiraram mais de 120 usuários do local: 80 na segunda-feira, e 42 nesta terça.

De acordo com o vice-prefeito de São Paulo, a operação que removeu os usuários contou com o apoio da GCM e do Batalhão de Choque da Polícia Militar, inclusive com apoio de cães farejadores. Usuários foram levados para unidades de tratamento do município, enquanto outros preferiram buscar suas famílias.

“Eles saem voluntariamente porque sabem que vão para lugares em melhores condições”, afirmou.

SENTIMENTOS DIVIDIDOS

Alguns frequentadores e comerciantes levantaram a hipótese de ser uma ordem do Primeiro Comando da Capital (PCC), facção que comanda o tráfico por ali, mas por enquanto não há confirmação oficial disso. O esvaziamento, segundo todos, começou no sábado

Por ora, os sentimentos de quem trabalha e mora na região são divididos. “A princípio, a gente acha que vai melhorar, mas tem de ver se eles realmente não vão voltar”, afirma a lojista Edna Pereira, de 54 anos.

Entidades e ONGs que atuam na região apontam que a política de dispersão dos usuários se tornou mais violenta nos últimos meses “A partir do momento em que sufocaram as estratégias de sobrevivência e aumentaram o nível de violência, eles (poder público) conseguiram fazer com que as pessoas deixassem a região”, afirma Giordano Magri, pesquisador do Centro de Estudos da Metrópole. “A questão agora é onde esse espalhamento vai reverberar.”

Todas as experiências internacionais apontam que o cuidado deve ser uma preocupação central na relação com pessoas com uso problemático de substâncias químicas, diz o especialista. “O cuidado integral fica comprometido e também a possibilidade de encontrar um agente de saúde ou receber um tratamento médico.”

SEM USO DA FORÇA

Orlando Morando, secretário de Segurança Urbana de São Paulo, nega o uso de violência. “Não removemos ninguém à força. Não fizemos nenhuma abordagem violenta, não há nenhuma imagem ou denúncia contra a GCM”, disse ao Estadão.

Ele ainda detalhou medidas que foram adotadas nos últimos dias na região, que podem ter colaborado com esse cenário. “Não estamos mais permitindo a entrada com cachimbos, intensificamos as buscas por drogas com cães da GCM e conseguimos sufocar o tráfico na favela do Moinho. A chegada da droga na Rua dos Protestantes está mais difícil.”

Em grupos de WhatsApp, comerciantes da região têm manifestado receio quanto a um espalhamento do fluxo para áreas ainda mais movimentadas, como a Rua Santa Ifigênia, a poucas quadras dali, ou para a Rua José Paulino, no Bom Retiro.

Morando afirmou que o problema não está solucionado, mas que as forças de segurança ainda não identificaram novos pontos de aglomeração. “Não teremos novas Cracolândias”, prometeu.

Estadão acompanhou a movimentação em diferentes vias da região de Santa Ifigênia na tarde desta terça, para averiguar o possível espalhamento dos usuários. A única em que havia uma quantidade mais elevada – cerca de 20 em movimentação – era a Rua General Osório, quase no encontro da Rua do Triunfo.

SEM ENTENDER

Enquanto a reportagem percorreu a região, alguns pequenos grupos de usuários seguiam para a Rua dos Protestantes. Vendo-a totalmente vazia, eles iam embora, também sem entender o que acontecia. Equipes de atendimento social da Prefeitura de São Paulo também foram vistas na região.

Estadão conteúdo

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