

Precisou um político ficar entre as grades para que a sociedade passasse a conhecer a realidade desumana do sistema prisional roraimense. Preso desde 31 de outubro de 2023, sob fortíssima acusação de ser o mandante do assassinato da mãe de sua filha, o ex-senador Telmário Mota divulgou mais uma carta relatando a situação degradante a que foi submetido enquanto ficou na Cadeia Pública de Boa Vista até conseguir prisão domiciliar no dia 17 de abril passado.
Em um país no qual foi germinada e adubada uma política de odiar presos e atacar direitos humanos, provar do próprio veneno talvez pudesse abrir um novo diálogo sobre encarceramento e justiça criminal brasileira. Telmário provou o dele. A extrema direita golpista, inclusive com pipoqueiros e sorveteiros no bolo indigesto, também está degustando um suco de desumanização do sistema prisional. Porém, no geral, políticos não costumam ser presos, senão o tema seria prioridade nos grandes debates.
O assunto é complexo e só quem experimentou o encarceramento e seus familiares sabem da realidade nua e crua, enquanto a maioria dos brasileiros acha que os presos estão de boa, comendo e hospedados de graça, com dinheiro de nossos impostos, inclusive recebendo auxílio presídio. Quando alguém levanta a voz pedindo humanização e reformulações para acabar com injustiças, uma horda se levanta em coro para expurgar o ódio e sacar aquela frase clássica de que bandido bom é bandido morto.
Enquanto isso, o sistema prisional brasileiro segue um nó indesatável diante de uma população carcerária que só cresce, enquanto o Governo Federal e os governos estaduais não conseguem ser ágeis o suficiente para construir novos presídios, o que se traduz em superlotação e condições precárias nos presídios, conforme consta nas seguidas cartas divulgadas por Telmário Mota e nos gritos abafados de familiares de presos que não conseguem sequer ser ouvidos pela imprensa por não ser mais “novidade”.
Não só isso. Óbvio que não podemos esquecer de outro fato que também não é mais nenhuma novidade: a corrupção sistêmica que permeia o sistema prisional. Refresquemos a memória. Deu no Jornal Nacional no dia 29 de novembro de 2018 que a Polícia Federal desencadeou uma operação contra desvio de recursos públicos no sistema prisional de Roraima, quando 11 pessoas foram presas, entre elas o filho da governadora da época, um ex-secretário de Justiça e Cidadania, o então chefe da Casa Militar e até um deputado estadual que acabara de ser eleito.
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Enquanto presos reclamavam constantemente de alimentos estragados e até da falta de comida, a PF apontava em sua investigação um esquema de R$70 milhões que vinha sendo operado desde 2015, em que a empresa responsável por fornecer alimentos aos detentos superfaturava o valor, anotava um quantitativo superior de refeições ao que era realmente entregue nos presídios e com qualidade muito ruim dos alimentos.
Também não pode ser esquecido que, em 16 de dezembro de 2020, a PF realizou a Operação Alésia, quando 23 agentes penitenciários foram presos sob a acusação de participarem de um grupo envolvido em tráfico de drogas, corrupção, prevaricação e lavagem de dinheiro, crimes estes que teriam sido praticados dentro do sistema prisional. Vale ressaltar que, durante as investigações, a PF encontrou inclusive fortes indícios de um esquema de compra de votos.
Aí está o cenário da grade bomba que é o sistema prisional não só em Roraima, mas no país todo. Por aqui ainda temos as cartas do ex-senador, que promete levar o caso até as últimas consequências. Embora seja um direito legítimo de qualquer preso, dificilmente encontrará eco na sociedade, já contaminada pela desumanização do sistema prisional, e longe da pauta dos políticos, porque eles raramente cumprem pena na prisão igual aos demais ou porque a corrupção sistêmica quer que tudo fique da forma que está.
*Colunista
O post Encarceramento no país e cartas ao vento da desumanização do sistema prisional apareceu primeiro em Folha BV.