
Em entrevista ao programa Agenda da Semana neste domingo (11), o geólogo e ex-deputado federal Salomão Cruz defendeu que terras indígenas demarcadas antes da Constituição de 1988 estão sujeitas a revisões e ampliações, mesmo após homologação. A exceção, segundo ele, é a Raposa Serra do Sol, protegida por condicionantes do STF. A análise, baseada em critérios constitucionais, acende o debate sobre direitos indígenas, segurança jurídica e disputas fundiárias no estado mais setentrional do Brasil.
Salomão explicou que, antes da Constituição de 1988, as demarcações consideravam apenas dois critérios: habitação (onde os indígenas viviam) e subsistência (áreas de caça, pesca e agricultura). Com a nova Carta Magna, dois novos parâmetros foram adicionados:
- Preservação ambiental: áreas necessárias para proteger recursos naturais;
- Crescimento populacional: projeções de aumento demográfico das comunidades.
“Esses dois últimos critérios são subjetivos. Um antropólogo pode, por exemplo, alegar que uma cidade como Boa Vista precisa ser incluída em uma terra indígena se atividades econômicas, como plantações de arroz, ameaçarem rios usados por indígenas a 200 km dali”, disse.
O geólogo citou a Área Indígena São Marcos, originalmente uma “Colônia Agrícola Indígena” criada antes de 1964 e transformada em terra indígena sem consulta a produtores rurais.
“Propriedades definitivas [registradas antes de 1964] foram ignoradas no laudo antropológico. Até a cidade de Pacaraima foi incluída na Raposa Serra do Sol sem contestação do Estado”, criticou.
Para ele, o problema está na metodologia. “Demarcações feitas até pelo regime militar seguiram laudos de ONGs e antropólogos sem participação da sociedade. Hoje, a Lei 14.701 exige consulta a estados e municípios, mas o Supremo a enfraquece ao focar só no marco temporal”.
Salomão minimizou a relevância do marco temporal (tese que restringe direitos indígenas a terras ocupadas antes de 1988): “É ineficaz. Se um indígena não habita uma área, mas alega que ela é essencial para pesca ou preservação ambiental, o marco não impede a ampliação”.
Como exemplo, mencionou a Reserva Baú (PA), reduzida após pressão de agricultores, e a disputa em Santa Catarina, onde o STF suspendeu o marco temporal para os Xokleng.
“A lei atual, se aplicada, traria segurança. Ela pune antropólogos por laudos falsos e obriga a ouvir estados, mas o Supremo só debate o marco”, disse.
O ex-deputado levantou um ponto polêmico: políticas de incentivo à natalidade indígena. “Enquanto o Brasil controla a natalidade geral, indígenas recebem auxílios por filho, como R$ 1.500 por criança. Isso pressiona a ampliação de terras, já que o critério populacional é subjetivo”.
Dados citados por ele mostram salto demográfico: de 9,9 mil indígenas em Roraima (1990) para 27 mil (2024). “Ninguém questiona esses números, pois vêm da Funai. Mas se a população cresce 170% em 30 anos, como não revisar áreas demarcadas sob critérios antigos?”, questionou.
A única área protegida de revisões, segundo Salomão, é Raposa Serra do Sol, homologada em 2009 sob 19 condicionantes do STF. “O Supremo decidiu que lá não se aplicam os novos critérios. Foram usados até ‘retiros’ inventados por padres para justificar a demarcação contínua”, ironizou.
Para outras regiões, porém, a flexibilidade permanece: “O STF não proíbe ampliações. Se um laudo alegar risco ambiental ou crescimento populacional, a terra pode ser expandida — mesmo que já homologada”.
Salomão não poupou críticas ao governo federal: “O PT só não amplia áreas indígenas por falta de apoio no Congresso. Se se fortalecer, vai retomar isso”. Citou a Lei 14.701/2023, que transfere parte do poder de demarcação da Funai para o Legislativo, como “perfeita” para garantir segurança jurídica, mas acusou o STF de ignorar seus méritos.
“Enquanto o Supremo só debate o marco temporal, produtores rurais ficam reféns de laudos que podem engolir suas terras a qualquer momento. É uma insegurança que afasta investimentos e gera conflitos”, concluiu.
A entrevista expôs o cerne da tensão em Roraima: de um lado, o direito constitucional indígena a terras “necessárias a seu bem-estar”; de outro, a demanda por regras claras que protejam propriedades consolidadas. Enquanto o marco temporal divide tribunais, Salomão alerta. “A lei atual é clara, mas sua aplicação depende de vontade política. E essa é a verdadeira guerra”.
Confira a entrevista completa
O post “Áreas indígenas demarcadas antes de 1988 podem ser ampliadas”, afirma geólogo apareceu primeiro em Folha BV.