ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Quais as chances de sair um papa brasileiro do conclave que se inicia nesta quarta-feira (7)? A resposta institucional iria na linha do “só Deus sabe”, já que a ideia de um toque divino na escolha do Santo Padre é mais palatável do que admitir a existência de um enredo político no Vaticano.
Mas, para especialistas, mais honesto seria dizer que são próximas de zero. Não há hoje nenhum cardeal do Brasil incluído nas listas de papáveis.
Claro que tudo pode acontecer, mas nada indica que um dos sete sacerdotes nacionais aptos ao posto esteja no páreo.
Primeiro que seria altamente improvável o raio cair duas vezes no mesmo continente. “Tem a questão regional”, diz o historiador Rodrigo Coppe Caldeira, chefe do Departamento de Ciências da Religião da PUC Minas. O argentino Francisco, morto no dia seguinte ao domingo de Páscoa, foi o primeiro papa latino-americano da história e o primeiro não europeu desde o sírio Gregório 3º, do século 8.
“Essa marca da Igreja latino-americana que ele deixa em Roma diminui a probabilidade de um brasileiro”, afirma Coppe. “É um fator que acaba passando na cabeça dos cardeais.”
Não se trata apenas de evitar repetir figurinha geográfica. Nenhum dos brasileiros é considerado peça relevante no poder católico, como um cargo na Cúria romana -argumento que o próprio historiador relativiza, já que também Francisco não tinha essa influência quando foi eleito.
Faltaria ainda traquejo diplomático para o grupo num momento de pane geopolítica, com conflitos no Oriente Médio e na Ucrânia de alta voltagem global.
O antropólogo Rodrigo Toniol, da UFRJ, resume assim: “Nenhum dos nossos reúne simultaneamente currículo curial robusto, verve pastoral midiática, rede linguística abrangente, identidade clara capaz de amalgamar votos de colegas europeus, africanos e asiáticos.”
Toniol sublinha que o bloco de votantes atual “é o mais heterogêneo da história, com 133 eleitores de 70 países, mas ainda fortemente eurocêntrico”. São 52 cardeais europeus, 17 deles italianos.
Dos 17 sul-americanos, 7 são do Brasil. “Isso garante visibilidade, mas não voto de minerva. Depois de um papa latino-americano, cresce o desejo simbólico de alternância continental. Nesse tabuleiro, um brasileiro sofre dupla resistência: não é a ‘novidade asiática/africana’ e tampouco traz a conveniência logística de um europeu.”
Fora que o “banco de reservas” verde-amarelo não exibe hoje um nome com capital internacional comparável ao de Luis Antonio Tagle (Filipinas) ou Fridolin Ambongo Besungu (República Democrática do Congo). “A coesão interna do grupo brasileiro é frágil”, afirma o antropólogo. “Não há bloco disciplinado que negocie em conjunto. Historicamente já tivemos brasileiros papáveis, mas nenhum chegou ao círculo final de escrutínios.”
Dom Lucas Neves até foi bem cotado para suceder João Paulo 2°, mas acabou morrendo antes desse longevo papa, em 2002. Morto em 2022, dom Cláudio Hummes chegou a ser citado para o conclave que por fim ungiu Bento 16. Não vingou.
“Era reservado e progressista demais para o momento”, diz Toniol. “Mas foi fundamental para Jorge Mario Bergoglio virar papa.” Teria, por sinal, influenciado o argentino a escolher Francisco como seu nome de líder da Santa Sé.
Dom Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo, também foi visto como potencial candidato naquele 2013. Chegou a ser encarado como alternativa latino-americana a Francisco, mas a ideia não prosperou. “Em relação à minha pessoa, eu tinha a noção de que havia especulações, mas procurei manter-me ao máximo distante disso, até para manter a serenidade”, diz o cardeal em seu livro “Um Padre a Vida Toda”, de 2025.
Dom Odilo lembra que os cardeais ficam em isolamento no período, sem qualquer contato externo. “Portanto, eu fui saber depois do conclave o que andaram dizendo. Ri muito.” Divertiu-se também porque Francisco, afinal, nem sequer estava no ranking dos papáveis.
Em 1978, com a morte do papa Paulo 6º, outro brasileiro foi mencionado: dom Aloísio Lorscheider. Com problemas cardíacos, o próprio teria desencorajado a ideia. Ele é citado numa cena de “O Poderoso Chefão 3” que reconstitui a votação para pontífice da época.
O processo não tem candidaturas formais. Ninguém inscreve chapa para ser papa, embora haja movimentação nos bastidores em torno de certos nomes. A princípio, inclusive, o colégio cardinalício pode avalizar qualquer homem celibatário e católico apostólico romano, não precisa ser um dos pares de batina vermelha -a praxe desde o século 14, contudo, é só eleger cardeais.
O Brasil tem hoje oito cardeais: Jaime Spengler (arcebispo de Porto Alegre), Paulo Cezar Costa (Brasília), Sergio da Rocha (Salvador), Orani Tempesta (Rio de Janeiro), Odilo Scherer (São Paulo) e Leonardo Steiner (Manaus), fora os arcebispos eméritos João Braz de Aviz e Raymundo Damasceno Assis. Só o último não poderá votar, por superar o limite etário de 80 anos para ser eleitor.
É improvável que um deles suceda Francisco? Demais. O conclave, contudo, “é uma caixinha de surpresas”, e está aí a indicação não prevista de Francisco para provar, diz o vaticanista Filipe Domingues, professor na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma.
“Nossos brasileiros não têm grande visibilidade internacional, teria que alguém articular para que eles se tornassem mais papáveis”, diz. “Agora, sempre pode haver surpresas. Dos que estão aí, o mais cotado é dom Odilo. Ainda é alguém conhecido, que teve boas relações no conclave anterior.”
Quase 80% dos cardeais de agora, no entanto, foram nomeados depois, por Francisco. Isso pesa. E dom Odilo, que anunciou sua renúncia à Arquidiocese de São Paulo, prevista para 2026, já não mostraria pique para uma missão dessas. Está com 75 anos, um a menos do que Francisco tinha quando se mudou para o Vaticano.