RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS)
A cisão entre as facções criminosas PCC (Primeiro Comando da Capital) e Comando Vermelho (CV) teria ocorrido devido a disputas regionais pelo controle de rotas estratégicas para o tráfico de drogas, armas e lavagem de dinheiro, de acordo com advogados.
Também pesou o descontentamento do grupo paulista com crimes praticados por integrantes da organização fluminense que foram considerados excessivamente violentos.
Em condição de anonimato, um advogado que mantém contato com lideranças presas em Bangu (no Rio) afirmou que o PCC tem priorizado a discrição e os negócios transnacionais. De acordo com ele, a facção paulista condena práticas como o esquartejamento de rivais e a exposição pública de crimes -condutas recorrentes no CV.
Entre os episódios citados, o advogado mencionou homicídios de integrantes do TCP (Terceiro Comando Puro, uma facção rival), além do caso de um turista de Brasília que, após ser sequestrado por supostamente ter fotos de criminosos rivais no celular, foi torturado e forçado a ingerir partes do próprio corpo, antes de ser incinerado vivo.
O advogado ressaltou que o PCC também pratica violência, mas com motivações diferentes . Ele apontou ainda divergências culturais entre os grupos, como a idade mínima para recrutamento: o CV admite adolescentes a partir dos 12 anos para atuar no tráfico, enquanto o grupo paulista só aceita jovens com 16 anos ou mais.
Além disso, a polícia investiga se traficantes fluminenses passaram a utilizar o nome do PCC para aplicar golpes por telefone.
Em 2025, duas ocorrências de extorsão foram registradas -uma na 27ª DP (Vicente de Carvalho) e outra em Niterói- em que as vítimas relataram ter sido ameaçadas por criminosos que se identificaram como integrantes da facção paulista.
Em um dos golpes, a vítima perdeu R$ 9.300 para um homem que se dizia da cúpula do PCC. No entanto, o rastreamento do celular mostraria que ele estaria na Maré, no Rio.
A ausência de uma liderança centralizada também tem provocado conflitos locais. Investigações apontam que cada facção opera com redes próprias: o Comando Vermelho atua principalmente na região amazônica e em rotas que levam ao Caribe e à Europa, com forte presença na tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru -especialmente nas cidades de Tabatinga (AM), Leticia (Colômbia) e Iquitos (Peru), por onde escoa a cocaína produzida por narcotraficantes.
Já o PCC domina rotas terrestres, especialmente por cidades fronteiriças como Pedro Juan Caballero (Paraguai) e Corumbá (em Mato Grosso do Sul), utilizando rodovias para transportar cocaína boliviana e maconha paraguaia até São Paulo. A disputa por essas rotas e contatos gerou tensões e conflitos em algumas localidades.
A aliança, além disso, não teria sido realizada de forma homogênea e não teria chegado a estados como Mato Grosso, Bahia e Ceará.
Apesar de advogados do CV confirmarem a ruptura com o PCC, autoridades de segurança do Rio de Janeiro demonstram ceticismo quanto à veracidade da nova cisão.
A reportagem conversou nesta quarta-feira (30) com delegados, secretários e promotores, e a avaliação predominante foi de cautela. Um dos principais indícios da manutenção da aliança, segundo eles, é a ausência de pedidos de transferência de presos no sistema penitenciário estadual – movimento esperado em casos de rompimento real.
O anúncio da separação entre as facções ocorreu na segunda-feira (28) por meio de mensagens viralizadas no WhatsApp e em redes sociais ligadas ao PCC. O comunicado afirmava que o rompimento era pacífico.
Autoridades fluminenses, no entanto, não descartam a possibilidade de que a divulgação dessas mensagens tenha como objetivo desviar a atenção das investigações em curso, que já apontam uma cooperação ativa entre as facções, inclusive em atividades como o fornecimento clandestino de internet.