“Homem com H”: a ópera libertária de Ney Matogrosso se impõe no cinema

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A cinebiografia “Homem com H”, dirigida por Esmir Filho, não tenta aprisionar Ney Matogrosso dentro de uma linha do tempo. Em vez disso, costura uma jornada sensorial que transforma a trajetória do artista em espetáculo. A estrutura é menos cronológica e mais emocional, guiada pelo desejo de capturar a essência de alguém que nunca aceitou moldes — nem os da sociedade, nem os do cinema.

Logo na abertura, Esmir faz sua escolha narrativa: não estamos diante de um inventário da vida de Ney, mas sim do registro de uma busca. Entre memórias da infância marcada pela violência e as primeiras apresentações carregadas de provocação e identidade, o longa escolhe o palco como símbolo de confronto e libertação. Ney não canta apenas músicas; ele performa existências possíveis.

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Foto: Divulgação/Paris Filmes

A presença de Jesuíta Barbosa no papel principal é mais do que uma escalação certeira: é uma convocação ao corpo. Seu desempenho transita entre a cópia minuciosa e a criação de um novo Ney — teatral, pulsante, mas jamais caricatural. O ator não apenas veste a pele do cantor, ele o habita com urgência, com uma fisicalidade que atravessa cada gesto, cada nota, cada silêncio.

Em vez de usar os grandes sucessos apenas como marcos temporais, Esmir Filho opta por tratá-los como capítulos de uma caminhada. “Bandido Corazón”, “Pro Dia Nascer Feliz” e a própria “Homem com H” surgem como explosões coreografadas de identidade, funcionando como transições dramáticas que iluminam transformações internas do protagonista. São performances que contam histórias por si só, conectadas à narrativa com uma inteligência rara no gênero da cinebiografia.

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Foto: Divulgação/Paris Filmes

Mas se a primeira hora do filme vibra com intensidade e forma, a reta final perde fôlego. O que começa como uma viagem sensorial e potente sobre afirmação de identidade e enfrentamento do preconceito termina em uma espécie de check-list apressado. Há temas que o filme toca — como o envelhecimento, a militância e a resistência política — mas que não abraça por completo, como se temesse alongar demais a função biográfica.

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Foto: Divulgação/Paris Filmes

Apesar disso, o longa se sustenta com dignidade e entrega uma imagem marcante: a do artista como um ser em constante invenção. Ney é mostrado não como ídolo estático, mas como metamorfose. Essa visão dá ao filme sua força maior. A liberdade de ser — de cantar como quer, vestir o que quiser, amar quem desejar — se sobrepõe à obrigação de representar todos os marcos de uma carreira pública.

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Foto: Divulgação/Paris Filmes

Com uma direção visualmente sofisticada, atuações comprometidas e um olhar genuinamente sensível ao universo queer, “Homem com H” é menos um resumo e mais um manifesto. E isso, no fim das contas, parece muito mais fiel ao espírito de Ney Matogrosso do que qualquer cronologia exata. Porque contar a história de Ney é, antes de tudo, contar a história do que é possível quando a coragem encontra o palco.

Confira o trailer: 

Ficha Técnica
Direção: Esmir Filho;
Roteiro: Esmir Filho;
Elenco: Jesuíta Barbosa, Jullio Reis, Bruno Montaleone;
Gênero: Biografia;
Duração: 129 minutos;
Distribuição: Paris Filmes; 
Classificação indicativa: 16 anos;
Assistiu à cabine de imprensa a convite da Espaço Z
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