Ex-presidente do INSS deu descontos ‘excepcionais’ para entidades, diz PF

alessandro stefanutto

São Paulo, 29 – O ex-presidente do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) Alessandro Stefanutto autorizou descontos indevidos nos contracheques de aposentados e pensionistas depois de ter vindo a público anunciar que acionaria a Polícia Federal (PF) para investigar denúncias de fraudes. As suspeitas levaram à demissão de Stefanutto após ele ter sido afastado do cargo por ordem judicial na Operação Sem Desconto – que apura um esquema fraudulento de deduções indevidas em benefícios de aposentados e pensionistas do INSS.

Pressionado pela Controladoria-Geral da União (CGU), que emitiu sucessivos alertas sobre descontos irregulares, Stefanutto prometeu ser “bastante duro” com entidades que estivessem envolvidas em fraudes e garantiu que a PF seria notificada para apurar as suspeitas. As declarações são de abril de 2024 e foram publicadas no site do INSS.

Em março de 2024, Stefanutto suspendeu as cobranças de descontos associativos até o desenvolvimento de mecanismos mais seguros de autorização e verificação de identidade, como biometria facial dos aposentados e assinatura eletrônica avançada, recursos que, segundo ele, ainda seriam desenvolvidos pela Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência (Dataprev).

A suspensão foi formalizada em uma instrução normativa assinada por Stefanutto que eximiu o INSS de responsabilidade sobre os descontos indevidos em benefícios de aposentados e pensionistas, conforme revelou o Estadão.

O ex-presidente do INSS também prometeu revisar os acordo de cooperação técnica fechados com associações e entidades para descontos de mensalidades associativas.

‘Aparente diligência’

Ocorre que, segundo a investigação da PF, “a despeito da aparente diligência publicizada”, internamente a direção do INSS buscava uma solução transitória que possibilitasse a retomada dos descontos, o que efetivamente aconteceu.

A Polícia Federal aponta que, em junho de 2024, Stefanutto determinou o “desbloqueio excepcional” de descontos em benefício de entidades investigadas, mesmo sem os requisitos técnicos definidos pela Dataprev e sem previsão normativa. “Nesse contexto, as ações divulgadas pelo INSS para impor maior rigor e controle à implementação de descontos associativos não atingiram os efeitos a que se propuseram, à medida que a direção da autarquia autorizou excepcionalizações às regras de regência da matéria, sem que existisse previsão normativa para tanto ou, sequer, tivessem sido realizadas análises que pudessem sustentar o interesse dos aposentados e/ou pensionistas nos atos”, afirma a Polícia Federal na representação da Operação Sem Desconto.

A PF crava que “o único interesse em voga e observado pela direção do INSS foi o das entidades associativas”.

Segundo a corporação, a cúpula do INSS ignorou informações e alertas recebidos por diferentes meios e de diferentes órgãos de controle para reverter “autorizações precárias concedidas” para os descontos.

Além de ter retomado os descontos em curso, o INSS permitiu 785 309 novos abatimentos, englobando 32 entidades, baseados exclusivamente em termos de compromisso das associações.

Descontos em lote

A PF também põe sob suspeita uma autorização do presidente do INSS para o chamado desbloqueio em lote e automático de descontos em pelo menos 34 mil pensões e aposentadorias em benefício da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag).

Os investigadores afirmam que o aval foi concedido em um cenário de “inexistência de qualquer tipo de controle, pelo INSS, acerca da veracidade das informações apresentadas” pela entidade.

Em um primeiro momento, a cúpula do INSS negou o pedido da Contag. Em outubro de 2023, Virgílio Antônio Ribeiro de Oliveira Filho, então chefe da Procuradoria Federal do INSS, mudou de posição e emitiu parecer favorável ao pedido.

Segundo a PF, Virgílio Antônio recebeu R$ 12 milhões de intermediários das associações suspeitas de fraudes bilionárias contra aposentados e pensionistas.

O ex-diretor de Benefícios e Relacionamento com o Cidadão, André Paulo Félix Fidélis, concordou com o parecer e enviou o documento ao gabinete do presidente do INSS. A Polícia Federal também identificou repasses suspeitos a Fidélis, na ordem de R$ 5 milhões.

Em novembro de 2023, Stefanutto assinou a autorização do INSS para os descontos em lote em favor da Contag. Ele afirma no documento que a decisão tem como base o “princípio da boa-fé” e a “declaração de responsabilidade” da confederação.

Intermediários

A PF calculou que ex-servidores do alto escalão do INSS receberam mais de R$ 17 milhões de intermediários das associações suspeitas de fraudes bilionárias contra aposentados e pensionistas. Foram identificados repasses a três dirigentes: André Paulo Felix Fidelis, ex-diretor de Benefícios e Relacionamento com o Cidadão; Alexandre Guimarães, ex-diretor de Governança e Gerenciamento de Riscos e de Governança, Planejamento e Inovação e Virgílio Antônio Ribeiro de Oliveira Filho, ex-chefe da Procuradoria Federal Especializada do INSS.

O dinheiro teria sido repassado por meio de empresas registradas no nome de familiares dos ex-diretores “sem motivo razoável conhecido para tanto”. Eles foram alvo da Operação Sem Desconto, deflagrada na semana passada.

“Observa-se a ação em conluio entre os investigados a fim de conferir aparente legalidade ao pagamento realizado pelos operadores financeiros e o recebimento de vantagens ilícitas por parte de servidores do INSS, abastecido pelo dinheiro proveniente dos descontos indevidos realizados pelas entidades associativas, em ação concertada”, afirma a Polícia Federal na representação que levou à operação.

Fluxo financeiro

Os repasses foram descobertos porque a Polícia Federal conseguiu reconstituir uma complexa rede de pessoas físicas e jurídicas que, segundo a investigação sobre as fraudes no INSS, operou a distribuição do dinheiro desviado por meio de associações.

O empresário Antônio Carlos Camilo Antunes, citado no inquérito como “Careca do INSS”, é apontado como o principal operador do esquema. Ele é dono de dezenas de empresas com personalidade jurídica própria, usadas para blindar os sócios controladores, e até de uma offshore nas Ilhas Virgens Britânicas, paraíso fiscal no Caribe. Defesa diz que ele vai comprovar inocência.

Segundo a PF, pessoas e empresas relacionadas ao “Careca do INSS”, receberam R$ 48,1 milhões diretamente de associações suspeitas, além de R$ 5,4 milhões de empresas ligadas a essas entidades, totalizando R$ 53,5 milhões.

Conforme a investigação, Virgílio Antônio, que chefiou a Procuradoria Federal Especializada do INSS, recebeu R$11.997 602,70 por meio de empresas registradas no nome da mulher e da irmã.André Paulo Félix Fidélis, ex-diretor de Benefícios e Relacionamento com o Cidadão, recebeu R$ 5.186.205,0041 por meio do filho e da nora. O ex-diretor de Governança e Gerenciamento de Riscos e de Governança, Planejamento e Inovação, Alexandre Guimarães, ficou com R$ 313.205,29.

A PF também afirma que o “Careca do INSS” transferiu um Porshe Taycan 2022 para a mulher de Virgílio.

‘Inocência’

Os advogados de Antonio Carlos Camilo Antunes afirmaram que “as acusações apresentadas contra seu cliente não correspondem à realidade dos fatos”. “A defesa confia plenamente que o tempo propiciará uma apuração adequada dos fatos, possibilitando uma atuação ampla e isenta por parte das instituições”, disseram em nota. “Estamos certos que ao longo do processo, a inocência de Antonio será devidamente comprovada.”

Procuradas pelo Estadão, a defesa do ex-presidente do INSS e de outros citados não se manifestaram ou não haviam sido localizadas até a publicação deste texto.

Estadão Conteúdo

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