JULIA CHAIB
WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS)
Cem dias depois de assumir o governo, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, decidiu promover um comício nos moldes do que fez durante a campanha do ano passado.
A uma plateia com cerca de 3 mil pessoas em Michigan, Trump usou palavras-chave da época eleitoral e reforçou suas ações e embates do atual mandato, referindo-se a juízes como comunistas.
“Não podemos permitir que um punhado de juízes comunistas, de extrema esquerda, obstruam a aplicação de nossas leis e assumam os deveres que pertencem exclusivamente ao presidente dos EUA”, afirmou o presidente.
Uma das marcas dos primeiros cem dias é o embate entre o líder republicano e magistrados que têm emitido ordens bloqueando suas ações. Trump editou mais de 140 decretos nestes primeiros meses -superando inclusive a própria marca do primeiro mandato. Segundo o jornal The New York Times, no período, ao menos 122 ordens foram suspensas, ao menos temporariamente.
“Os juízes estão tentando tirar o poder dado ao presidente para manter nosso país seguro”, disse Trump nesta terça.
Como em praticamente todos os pronunciamentos públicos, o presidente exaltou suas políticas na área de imigração e, sobretudo, a deportação para uma prisão em El Salvador de pessoas acusadas de integrar facções criminosas, embora a medida tenha sido contestada na Justiça.
Ao longo de alguns minutos, o presidente parou o discurso feito em um ginásio de Macomb County, em Michigan, para passar um vídeo em um telão. As imagens mostraram imigrantes deixando o avião, entrando na prisão de El Salvador e tendo seus cabelos e barbas raspados. “O mundo está vendo uma revolução do bom senso”, afirmou Trump sobre os cem primeiros dias de seu governo.
Trump tem feito ataques frequentes ao Judiciário americano. A escalada da tensão levou acadêmicos e parlamentares a debater se os EUA estão diante de uma crise constitucional ou à beira de uma.
Um dos pontos de divergência é relacionada à Lei de Inimigos Estrangeiros, invocada por Trump e que concede ao presidente autoridade para expulsar “inimigos estrangeiros” sem o devido processo legal, em casos de guerra ou invasão. A legislação, criada no século 18, só havia sido usada durante a guerra de 1812 contra o Império Britânico e suas colônias no Canadá, e nas duas guerras mundiais.
Em uma das frentes do caso, uma juíza determinou que o governo trouxesse de volta aos EUA o imigrante salvadorenho Kilmar Abrego Garcia, deportado de forma ilegal para El Salvador -o que a gestão diz não ter poder para fazer, a despeito da ordem judicial.
Além deste, há ao menos dez questionamentos à ordem que tenta revogar a cidadania por nascimento para filhos de imigrantes indocumentados, já considerada inconstitucional por tribunais federais.
O governo também enfrenta ações contra decretos para punir cidades-santuário (mais receptivas para imigrantes), fazer remoções aceleradas, o fim do aplicativo que facilitava o agendamento de audiências com autoridades de imigração, a revogação de status de proteção temporária e refúgio a imigrantes e a transferência de migrantes para a base militar de Guantánamo.
Trump sempre foi crítico de juízes que contrariam seus interesses, tanto na primeira gestão quanto no período fora da Casa Branca, também acusando investigadores de agirem politicamente.
Por trás dos ataques disparados pelo republicano está a discussão sobre até onde vão os poderes do Executivo, algo que ele tem buscado ampliar. A avaliação de analistas é que deve caber à Suprema Corte, com 6 juízes conservadores entre seus 9 integrantes, definir esses limites da atuação do presidente e eventualmente dar nova interpretação ao que prevê a lei.