O novo longa de Lírio Ferreira, que estreia nesta quinta-feira (24), mergulha fundo na tradição nordestina para reinventar o thriller com sotaque próprio e sem pressa de entregar respostas.
Em “Serra das Almas”, nada é entregue de bandeja — nem para o espectador, nem para seus personagens. O filme parece se esconder nos primeiros minutos atrás de uma premissa simples: o sequestro de duas mulheres e o confinamento num casebre no alto da serra. Mas basta o tempo de uma respiração para que a narrativa se fragmente em diferentes tempos, memórias e relações corroídas. O que parecia ser um suspense de cativeiro se revela um retrato dissonante e brutal de laços partidos por ganância, poder e ressentimento.

Foto: Divulgação/Imagem Filmes
Lírio Ferreira arma o enredo com um labirinto de linhas temporais e subtramas que, embora tragam certo peso à fluidez da primeira metade, servem a um propósito maior: ampliar a dimensão das escolhas dos personagens. O que nos desorienta no início — os cortes bruscos, os diálogos que surgem sem aviso, a câmera que parece espiar mais do que mostrar — acaba por criar uma atmosfera rarefeita e desconfiada, onde cada gesto carrega a ameaça de uma revelação.
É a partir da metade que o longa encontra seu ritmo e se solta como se também estivesse preso até então. Os arcos narrativos se entrelaçam, a tensão aumenta e a encenação ganha pulso. Ferreira valoriza o improviso contido, e os planos fechados, antes claustrofóbicos, tornam-se aliados na construção do suspense. O diretor se ancora no talento de seu elenco — Julia Stockler, Mari Oliveira, Ravel Andrade e David Santos entregam atuações que oscilam entre o instinto e o controle, um equilíbrio raro de se ver.

Foto: Divulgação/Imagem Filmes
O filme abraça a brutalidade sem fetichizar a dor. A violência não surge como espetáculo, mas como elemento inevitável de um ecossistema apodrecido. Como em “Propriedade”, outro exemplar pernambucano recente, o cerco aqui é simbólico: mais do que o isolamento físico, é o aprisionamento em relações abusivas, decisões mal feitas e numa sociedade onde a lei é maleável demais para quem tem poder de compra.
Bruno Garcia vive um senador que encarna a corrupção com uma naturalidade assustadora, mas o foco do filme vai além da denúncia. “Serra das Almas” não está interessado em heróis ou vilões — está interessado em gente. Gente que toma decisões erradas, que escolhe o silêncio, que se move por sobrevivência. Ferreira não oferece redenção: suas “almas” são tão áridas quanto o terreno onde se escondem.

Foto: Divulgação/Imagem Filmes
Conclusão
No fim, “Serra das Almas” não quer ser manifesto nem panfleto. Quer ser cinema. Cinema de gênero, de nervo, de território. Com sua trilha de tensão, humor rascante e ecos de faroeste regional, o filme é mais um exemplo de como o cinema pernambucano continua a reinventar suas próprias fronteiras. E faz isso com ousadia, carne e poesia seca.
Confira o trailer:
Ficha Técnica
Direção: Lírio Ferreira;
Roteiro: Paulo Fontenelle, Audemir Leuzinger e Maria Clara Escobar;
Elenco: Julia Stockler, Mari Oliveira, Ravel Andrade, David Santos, Jorge Neto, Pally, Vertin Moura;
Gênero: Ação, Drama;
Duração: 121 minutos;
Distribuição: Imagem Filmes;
Classificação indicativa: 16 anos;
Assistiu à cabine de imprensa a convite da Sinny Assessoria