Ninguém pediu uma continuação de “O Contador”, e ainda assim ela chegou — armada, afiada e mais barulhenta do que nunca. Estreando nesta quinta-feira (24), o novo capítulo da saga de Christian Wolff, o contador autista e metódico com habilidades de combate dignas de um super-herói de ação, abraça tudo aquilo que parecia exagerado no filme de 2016 e multiplica por dois: a pancadaria, a confusão narrativa e a masculinidade truncada. A boa notícia? Dessa vez, o absurdo é parte do charme.
Ben Affleck retorna ao papel com a mesma contenção do primeiro filme — olhar vazio, fala precisa, gestos calculados. Mas algo mudou. Em O Contador 2, o roteiro opta por rir, ainda que discretamente, da rigidez do protagonista. Ao invés de esconder suas idiossincrasias sob uma camada de seriedade incômoda, o filme as transforma em momentos quase cômicos, como quando Chris tenta dançar ou navegar em aplicativos de relacionamento. O resultado é um protagonista mais humano, sem abrir mão da letalidade que o tornou famoso.

Foto: Divulgação/Warner Bros. Pictures
A trama, por outro lado, é uma verdadeira salada de interesses: tráfico humano, cartéis de peixe (!), uma rede de jovens autistas hackers e uma assassina estilosa com nome de perfume francês. O roteiro é um labirinto sem centro, mas isso não parece incomodar os realizadores. Aqui, a coerência narrativa é secundária. O importante é que haja espaço para tiroteios, perseguições e diálogos entre irmãos que mais parecem sessões de terapia com testosterona em excesso.
É justamente na dinâmica entre Chris e Braxton (Jon Bernthal) que o filme encontra seu coração. Os dois irmãos — emocionalmente disfuncionais, mas ferozmente leais — entregam os momentos mais críveis em meio ao caos estilizado. Bernthal, livre para exagerar, transforma cada cena em uma espécie de monólogo emocional com armas nas mãos. Se Affleck continua rígido, Bernthal compensa com sobra.

Foto: Divulgação/Warner Bros. Pictures
Talvez o aspecto mais curioso da continuação seja sua tentativa de inclusão. O filme escala atores autistas e insere personagens neurodivergentes como figuras centrais em uma trama de espionagem e vigilância digital. O gesto é válido, ainda que a representação beire o fantasioso — jovens gênios capazes de hackear qualquer sistema do planeta como se estivessem jogando videogame. Não é exatamente realista, tampouco progressista no sentido mais profundo, mas a intenção de mostrar diversidade é clara e bem-vinda.
Apesar das muitas firulas, O Contador 2 não tenta ser mais do que é: entretenimento escapista. A sequência abandona qualquer pretensão de ser um drama psicológico ou estudo de personagem, e aposta tudo na ação estilizada e no carisma estranho de seus protagonistas. Isso faz com que o filme funcione como uma espécie de pipoca gourmet — exagerada, sem nutrição narrativa, mas de sabor viciante.

Foto: Divulgação/Warner Bros. Pictures
Conclusão
No fim das contas, o filme acerta por mirar onde sabe que pode acertar. A crítica pode não perdoar os excessos, mas o público — especialmente os fãs do original — deve acolher a continuação com entusiasmo. E se houver um terceiro capítulo, não será por falta de histórias, e sim por excesso de munição.
Confira o trailer:
Ficha Técnica
Direção: Gavin O’Connor;
Roteiro: Bill Dubuque;
Elenco: Ben Affleck, Grant Harvey, Robert Morgan, Cynthia Addai-Robinson, Daniella Pineda, J. K. Simmons, Jon Bernthal;
Gênero: Ação;
Duração: 131 minutos;
Distribuição: Warner Bros. Pictures;
Classificação indicativa: 16 anos;
Assistiu à cabine de imprensa a convite da Espaço Z