A verdadeira face da Psicologia Jurídica

Psicologia Jurídica

Convida Heloisa de Vivo (CRP 01/9107) e Jessica Lira (estagiária de psicologia)

Quando falamos em Psicologia Jurídica, automaticamente pensamos em séries do tipo CSI e Mindhunter, que mostram profissionais (policiais, psicólogos…) tentando “desvendar” os mistérios das mentes criminosas. Entretanto, é importante desmistificar a ideia de que a Psicologia Jurídica se resume à investigação criminal. Embora a análise de perfis criminais e a colaboração com a polícia sejam aspectos interessantes e importantes, eles representam apenas uma pequena parte do campo. A verdadeira essência da Psicologia Jurídica está em sua capacidade de aplicar conhecimentos psicológicos para promover a justiça, proteger os direitos humanos e melhorar o bem-estar das pessoas envolvidas no sistema legal, isto é, é uma disciplina que integra conhecimentos da Psicologia e do Direito, aplicando princípios psicológicos para auxiliar na compreensão e na resolução de questões legais.

A Psicologia Jurídica é muito mais ampla que se pode imaginar e, portanto, o psicólogo jurídico pode atuar em muitos campos, tais como Tribunais de Justiça (nas Varas da Infância e Juventude, de Família, Penais e de Execução Penal, de Violência Doméstica Contra Mulheres etc); no Sistema Penitenciário; em Unidades de Internação Socioeducativas; em delegacias (principalmente, as especializadas como no atendimento à mulher (DEAM), ao idoso (DEAI), à criança e ao adolescente (DPCA); nos Institutos Médico-legais; em ONGs; nas Defensorias Públicas; nos Ministérios Públicos; e ainda, de forma particular, como um perito ou assistente técnico (contratado pelas partes). Vale ressaltar que, em cada local, haverá uma atuação específica do profissional.

Em que pese os profissionais dessa área trabalharem em todos esses contextos, vamos falar um pouquinho da nossa experiência e atuação no Setor Psicossocial do Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT), especificamente. A atuação dos psicólogos se dá, primordialmente, por meio da realização de perícias psicossociais, a fim de assessorar os Promotores de Justiça em suas tomadas de decisões, convergindo para o alcance da missão ministerial no que concerne à garantia dos direitos do cidadão. Insta salientar que o Ministério Público é uma instituição essencial à função jurisdicional do Estado, presente na Constituição Federal do Brasil, com diversas funções ligadas à defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Cuidados com pessoas idosas
Banco de Imagens

Várias temáticas são abordadas no psicossocial do MPDFT, dentre elas, relacionadas aos direitos da pessoa idosa, de pessoas com deficiência, crianças, adolescentes, pessoas em situação de violência doméstica, interditados, bem como outros segmentos que venham a demandar desta Instituição. Abordaremos, portanto, de forma superficial, alguns desses temas em que o psicólogo jurídico do MPDFT é chamado a se manifestar com maior frequência.

Infelizmente, os casos de violência doméstica contra mulher são corriqueiros em nosso âmbito de atuação. Quando a mulher em situação de violência doméstica presta queixa junto à Delegacia de Polícia, é instaurado um Inquérito Policial, sendo este encaminhado ao MP para que a Promotoria decida se irá oferecer denúncia, dando início ao processo, no caso desta ser aceita pelo Juiz de Direito. Para que o Promotor tenha embasamentos sólidos para sua tomara de decisão, o Psicossocial trabalha avaliando, por exemplo, os fatores de risco existentes, tais como histórico de violência, rompimentos e reconciliações, agressões físicas graves e ameaças, separação recente, descumprimentos anteriores de medidas protetivas de urgência, uso abusivo de álcool e outras drogas (sim, esse quesito diz respeito a um fator de risco e não à causa da violência doméstica, como o senso comum prega) e também se a mulher tem interesse no prosseguimento do feito. É comum acontecer dela ter retomado o relacionamento e querer retirar tudo que diz respeito à situação de violência outrora vivenciada.

depressed woman with cracked glass effect
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Outra atuação frequente no dia a dia dos psicólogos do MPDFT ocorre nos casos de curatela, que é o encargo conferido à alguém de confiança, para que cuide dos interesses da pessoa que não consegue, por alguma questão, quer seja pelo avançar da idade, pela presença de algum transtorno ou outra condição incapacitante, que a torne inapta para realizar sua autogestão ou de seus bens. Não é raro chegar ao conhecimento do Psicossocial casos em que pessoas curateladas, na maioria das vezes, idosas são abusadas por familiares, principalmente, psicologicamente e patrimonialmente, situação em que, constatada a veracidade dos fatos, intervimos para resguardar a segurança e a dignidade dessa pessoa em vulnerabilidade.

Os psicólogos do MPDFT também atuam dentro de um contexto muito discutido nos últimos tempos: as medidas de segurança! As medidas de segurança constituem espécie de sanção penal, de caráter preventivo, previstas no Código Penal, que consistem em tratamentos compulsórios para pessoas que cometeram crimes, mas que não podem cumprir pena, por serem inimputáveis ou semi-imputáveis, ou seja, por possuírem alguma condição de saúde mental que prejudique seu discernimento ou sua volição. No Distrito Federal as medidas de segurança são cumpridas (por enquanto) em uma ala própria chamada A.T.P. (Ala de Tratamento Psiquiátrico), que fica nas dependências da Penitenciária Feminina do Distrito Federal (apelidada de Colmeia) ou em tratamento ambulatorial, dependendo do caso particularmente. Durante a internação na Ala, há constante reavaliação do estado psíquico do indivíduo, a fim de avaliar o momento em que estará pronto para ser reintegrado à sociedade, dando continuidade ao seu tratamento de forma ambulatorial.

Geralmente, os psicólogos responsáveis por tal avaliação são servidores do Tribunal de Justiça e/ou da própria instituição penitenciária. Aos psicólogos do MPDFT, por sua vez, cabe avaliar questões externas, como a existência de rede de apoio, moradia, fácil acesso à Rede de Atenção Psicossocial para tratamento ambulatorial, possíveis propostas de emprego, dentre outros aspectos cruciais para que o indivíduo tenha o suporte necessário para manutenção de uma vida digna. O tema gera debate devido à Política Antimanicomial, que visa extinguir as unidades de internação (de forma urgente), mas isso já é um assunto (essencial) para outro dia.

people meeting community center
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Além das atuações em casos de violência doméstica, curatela e medidas de segurança, os profissionais do psicossocial também se envolvem em questões de família, como os processos de guarda, onde a avaliação psicossocial é crucial para assegurar o bem-estar das crianças e adolescente, contribuindo na identificação de conflitos familiares (bem comuns neste contexto) e buscando soluções que priorizem a saúde mental e a segurança dos envolvidos.

Assim, ao explorarmos o papel da Psicologia Jurídica, fica claro que sua abrangência vai muito além do que é frequentemente retratado na mídia. Os psicólogos do MPDFT desempenham funções essenciais que promovem a justiça e o respeito aos direitos humanos, atuando em diversas situações que envolvem vulnerabilidade e necessidade de proteção. A Psicologia Jurídica, portanto, se revela como uma ferramenta indispensável para a construção de um sistema legal mais justo e humano. Por meio de uma abordagem que considera as nuances emocionais e sociais dos casos, os psicólogos ajudam nas decisões que respeitam a dignidade e os direitos dos indivíduos. É vital que continuemos a discutir e reconhecer a importância desta área, não apenas na prevenção de crimes, mas também na promoção de uma sociedade mais equitativa e solidária. A intersecção entre Psicologia e Direito é um campo fértil que merece atenção e desenvolvimento contínuo, com o intuito de transformar o sistema de justiça em um espaço que, de fato, proteja e promova a vida e a dignidade humana.

Até a próxima!

Heloisa de Vivo (CRP 01/9107) responde no e-mail: [email protected]; e Jessica Lira (estagiária de psicologia) está no Instagram @jessicalira.psi.

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