Brasília em nova sintonia

capa mihalis foto 2 por raquel mergener

cab brasília 65 anos

Brasília é reconhecida no Brasil e no exterior como o berço de bandas que marcaram gerações com letras memoráveis e ritmos potentes. Ícones como Legião Urbana, Capital Inicial, Raimundos, Aborto Elétrico e Plebe Rude nasceram na capital, assim como artistas solo como Tiago Iorc, Hungria e Flora Matos. No ano em que Brasília completa 65 anos, o destaque vai para uma nova geração de músicos que vem moldando a paisagem sonora da cidade.

Esses novos artistas — em carreira solo ou em bandas — trazem à tona composições que falam de amor, autoaceitação, ancestralidade, diversidade e representatividade. São vozes que buscam conexão com o presente, sem deixar de dialogar com a identidade múltipla da capital.

Lucas Maranhão começou cedo: aos 8 anos já tocava violão; aos 12, compunha suas primeiras músicas. Hoje, aos 27, soma dois álbuns em carreira solo e integra a banda Aguaceiro. Seu estilo, que ele define como MPB contemporânea, mistura referências brasileiras com elementos do lo-fi, bedroom pop, folk e indie eletrônico.

lucas maranhão 2, foto nathalia feitosa
Lucas Maranhão. – Foto: Nathalia Feitosa

“Gosto de explorar essa mistura de texturas, com sons orgânicos e letras íntimas. Me inspiro muito no cotidiano — tem beleza nas coisas simples da vida, como andar de bicicleta ou estar com amigos. Observar e transformar essas vivências em música é o que me move.”

Lucas divulga atualmente o álbum Varandas, lançado com a banda em outubro de 2024, mas já tem planos para o futuro. “Tenho uma meta pessoal: lançar cinco álbuns até os 30. Já publiquei dois, e o terceiro chega no fim deste ano com a Aguaceiro.”

A capital também influencia diretamente sua arte. “Brasília me moldou muito, especialmente na infância, quando aprendia violão com músicas da Legião Urbana. Isso deixa marca.” Ele também cita como referências contemporâneas a dupla akhi huna, a cantora Pratanes e o cantor e produtor Pedro Alex.

Mas a vida de artista independente exige mais do que criatividade. Produzir, editar, divulgar e gerir a própria carreira consome tempo e energia — e nem sempre oferece retorno financeiro imediato. Foi o que viveu Mihalis, cantor, compositor e, mais recentemente, produtor musical.

mihalis foto 1, por raquel mergener
Mihalis. Foto: Divulgação/Raquel Mergener

Aos 28 anos, ele tem uma trajetória marcada pelas raízes culturais dos pais maranhenses — que cantavam samba e bossa nova na Grécia, onde ele nasceu. Ganhou seu primeiro cavaquinho aos três anos e, com o tempo, passou a incorporar elementos de jazz, neo soul, hip hop e MPB às suas composições.

“Precisei aprender marketing, social media, gravar vídeos, lançar músicas, impulsionar posts, negociar com curadores de playlists, pensar roteiro de clipe… Tudo isso fora do escopo criativo. E o retorno financeiro, sem shows, é difícil”, relata.

Foi nesse processo que Mihalis descobriu a produção musical como um novo caminho. Com experiências anteriores em desenho, fotografia e dança, ele assumiu a criação sonora do espetáculo A Capital, do estúdio Have Dreams, que retrata a cidade sob a ótica dos candangos. “Estou nesse projeto desde setembro. A estreia é agora, dia 27, e consegui explorar ritmos e sonoridades que sempre quis trabalhar.”

Formado em economia, Mihalis equilibra a carreira de produtor com a atuação na área financeira. “Pensei em largar tudo, mas optei por manter a estabilidade. Tenho projetos como economista e sigo forte na arte.”

hanna amim por eline luz
Hanna Amim. – Foto: Eline Luz

Outra artista que enfrentou barreiras desde cedo foi Hanna Amim, cantora, DJ e produtora musical de 33 anos. Filha de pais músicos, ela não teve incentivo inicial para seguir na arte. “Sempre ouvi que ser artista não era profissão. É uma carreira desvalorizada e pouco regularizada”, diz.

Neurodivergente, Hanna teve dificuldades na escola e, por um tempo, nem cogitava viver da música. Mas criou sua própria metodologia de estudo, entrou no curso de canto popular da UnB, passou a discotecar em eventos e investiu na produção musical. “Desde então, lancei um single, um EP com cinco faixas e três clipes.” Frequentadora da Galleria, no Conic, ela considera o espaço essencial para seu início como DJ e cantora.

Hanna também produz suas próprias músicas e vê a escassez de espaços como um dos maiores desafios. “Falta espaço físico, falta espaço digital, falta espaço nas rádios. Cada conquista exige muita luta — e isso cansa.”

ralé xique, por marcelo canna
Ralé Xique. – Foto: Marcelo Canna

Com proposta diferente, mas igualmente potente, a banda Ralé Xique surgiu em 2017 com o objetivo de expressar o cotidiano por meio de uma estética sonora chamada “psicodelia tropical”. Formada por Alê Maraschino e Faby Gonçalve (vocais), Victor Hugo (baixo e voz), Icaro Faria (percussão e voz), Ian Farias (bateria) e Gabriel Migão (guitarras), a banda une rock, MPB, dub e black music.

“O nome Ralé Xique veio da ideia de que não pertencemos à elite. E muitas vezes é essa elite que define o que tem ou não qualidade. Rejeitamos isso — somos ralé, e somos muito chiques”, explica Icaro. Ele também enfatiza o caráter brasiliense do grupo: “Brasília é uma mistura, um molho. E nosso som é reflexo disso. Bebemos de todas as fontes que circulam aqui.”

O segundo disco da banda, Você Sabe Com Quem Está Falando?, tem lançamento previsto para o segundo semestre de 2025.

Já a banda Saci Wèrè, criada em 2017, aposta em um estilo mutante com raízes no tropicalismo experimentalista. Formada por Amanda Duarte, Abacate Alan, Danilson Oliveira, Gui Campos, Fernando Mazoni e Chris Baréa, o grupo valoriza a miscigenação cultural brasileira até no nome.

1 saci were foto thai s mallon 6347778
Saci Wèrè. – Foto: Thaís Mallon/Divulgação

“Gostamos da simbologia do Saci Pererê como resultado do encontro entre culturas — indígena, africana e europeia. Isso nos representa”, afirmam. O projeto, segundo os integrantes, acompanha as transformações de vida de cada um. “Tivemos fases experimentais e mais espirituais, depois algo mais carnavalesco e dionisíaco, influenciado por Hugo Rodas. Não temos um estilo fixo, gostamos de transitar.”

Encerrando esse panorama está a banda Arandu Arakuaa, formada em 2008 e conhecida por fundir rock metal com sonoridades indígenas. Criada por Zândhio Huku, a banda se dedica à valorização das línguas e culturas originárias, com letras em Xerente, Tupi e Xavante.

banda arandu arakuaa divulgaçao (1)
Banda Arandu Arakuaa. – Foto: Divulgação

“O Arandu Arakuaa existe para fortalecer as lutas dos povos indígenas”, afirma Huku. Em Tupi, o nome significa algo como “sabedoria do cosmos” ou “saber dos ciclos dos céus”.

Hoje, a banda é composta por Zândhio Huku (viola caipira, vocais, guitarra, flautas e maracá), Andressa Barbosa (baixo, vocais e maracá), Guilherme Cezario (guitarra e backing vocals) e João Mancha (bateria e percussão afro-indígena). O foco atual está na produção de clipes e na realização de apresentações ao vivo pelo país.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.