Prefeitos de cidades pequenas turbinam próprios salários e ganham até R$ 25 mil

ANDRÉ FLEURY MOARAES
BAURU, SP (FOLHAPRESS)

Titulares do Executivo de municípios com até 7.000 habitantes espalhados pelo interior do país turbinam os próprios vencimentos e chegam a ganhar R$ 25 mil mensais, valor que supera o salário de prefeitos à frente de cidades até 50 vezes maiores.

Levantamento feito pela Folha com municípios de pequeno porte de todas as regiões do Brasil revela que os salários, criticados por especialistas ouvidos pela reportagem, pressionam a receita de cidades cujo financiamento depende majoritariamente de transferências externas.

É o caso de Ingazeira (PE), cuja população estimada para 2024 é de 4.959 pessoas. O município tem renda média de 1,6 salário mínimo, segundo o último Censo, mas paga R$ 20 mil mensais ao atual prefeito Luciano Torres (PSB) e R$ 10 mil ao vice Djalma do Minadouro (PSB).

Na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2025, Ingazeira estima R$ 47,4 milhões de receitas correntes para este ano, R$ 43,9 milhões das quais oriundas de outros entes federativos -o estado de Pernambuco e a própria União-, as chamadas transferências correntes. O restante, R$ 3,4 milhões, advém de arrecadação própria.

A cifra seria quase que inteiramente consumida se utilizada apenas para bancar parte da estrutura administrativa do governo. São: prefeito, vice, 12 secretários titulares, 12 secretários adjuntos e nove vereadores a um custo anual de R$ 2,7 milhões.

O subsídio mensal a que cada parlamentar ingazeirense tem direito (R$ 6.954,92) é bastante inferior ao salário do prefeito porque a Constituição limita os vencimentos de vereadores segundo a população dos municípios.

No caso de cidades até 10 mil habitantes, estabeleceu um dispositivo da Emenda Constitucional 25/2000, “o subsídio máximo dos vereadores corresponderá a vinte por cento do subsídio dos deputados estaduais”.

O mesmo não ocorre com os prefeitos, que só não podem receber mais do que ministros do Supremo Tribunal Federal (R$ 46.366,19), o que abre caminho para que dirigentes de pequenos municípios sejam mais bem remunerados do que aqueles à frente de cidades maiores, de médio ou grande porte. O salário dos prefeitos é fixado pelas Câmaras Municipais.

Com 4.716 habitantes, São José do Seridó (RN) paga R$ 25 mil mensais ao prefeito Jackson Dantas (MDB).

Do outro lado do país, a remuneração de Valter Batista dos Santos (PL), de Porto Rico (PR), cuja população estimada para este ano soma 3.316 pessoas, é um pouco menor: R$ 24.500,00.

Como comparação, a cidade de Bauru, no interior de São Paulo, paga R$ 24.849,33 por mês à prefeita Suéllen Rosim (PSD). O município paulista tem 391.740 habitantes, mais de cem vezes a população da cidade paranaense.

Não é diferente em Westfalia (RS), cidade de 3.219 habitantes que paga R$ 20.031,09 ao prefeito Juliano Bloemker (PP). Nem em Nova Nazaré (MT), cujo titular Reginaldo Colle (PSB), que governa para 4.467 pessoas, recebe R$ 21.153,95.

São salários proporcionalmente menores se comparados aos R$ 21 mil que recebe a prefeita Priscilla Massoni (PSD), de Turmalina (SP), com 1.669 habitantes, e aos R$ 18.433,09 que Anhanguera (GO), onde moram 921 pessoas, paga a Marcelo Paiva (MDB).

Esse não é um cenário global entre municípios desse porte, mas grande parte deles ainda enfrenta desafios básicos em serviços considerados essenciais, principalmente em saneamento.

Com 4.221 habitantes, Lafaiete Coutinho (BA) paga R$ 19 mil mensais ao prefeito Flávio Brandão (PP) num orçamento massivamente (94,43%) dependente de transferências externas. Todo esgoto produzido pela pequena população é coletado -mas não há tratamento algum sobre os afluentes, segundo dados de 2022 do governo federal.

Situação semelhante ocorre em Rio Crespo (RO), que paga R$ 18.954,50 ao prefeito Eder da Silva (PL). A cidade, de 3.753 habitantes, não trata esgoto e tem o sétimo maior índice de mortalidade infantil de Rondônia, com 28,57 óbitos por mil nascidos vivos.

A ausência de parâmetros, que permite a fixação de salários elevados a agentes políticos, não cria distorções restritas a municípios de pequeno porte. No interior da Bahia, a cidade de Jequié (168.733 habitantes) aprovou no ano passado um aumento de 57,93% ao prefeito Zenildo Brandão (PP), o “Zé Coca”, e 71,87% ao vice Flavinho Santana (União) -que passaram a receber R$ 34.774,64 e R$ 31.297,17 respectivamente. A cifra é pouco menor do que o vencimento do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), cuja remuneração é de R$ 38.039,38

São casos que representam “uma anomalia, uma patologia da federação brasileira”, diz o advogado Omar Augusto Leite Melo, professor de direito e economia na Instituição Toledo de Ensino (ITE) em Bauru.

Seria bem-vinda, afirma, uma espécie de “trava” aos subsídios de prefeitos como já ocorre a vereadores. Mas ele não vê condições para eventuais mudanças neste momento.

“O arcabouço legal incentiva isso. Quanto mais municípios pequenos, mais infraestrutura, mais representantes, mais servidores para suprir demandas. Mas esse pacote custa e alguém tem que pagar”, pontua.

“O problema é que o salário do prefeito é também o teto do município. Então, na medida em que você tem uma remuneração muito alta ao chefe do Executivo, há pressão também para ampliar os salários dos servidores”, explica o ex-ministro chefe da CGU (Controladoria Geral da União) e hoje sócio do Warde Advogados, em Brasília, Valdir Simão.

Não se trata de uma discussão, segundo o ex-CGU, em torno da autonomia dos municípios, mas de instrumentos balizadores das despesas. “Você tem parâmetros estabelecidos pela Constituição no caso dos salários de vereadores. Ao Executivo, não”, diz.

Os gastos com pessoal são limitados a 60% da receita corrente líquida dos municípios. “Quando um Tribunal de Contas analisa esse gasto, só vê se [a despesa] está dentro do limite estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Não entra nos valores. Isso só ocorreria com a mudança da legislação”, explica.

Em nota, Dores do Rio Preto (MG) disse que o salário do prefeito é compatível com o porte do município e que o valor do vencimento decorre da necessidade de um alto teto remuneratório à cidade, que “possuía grandes dificuldades para realizar a contratação de médicos”.

De segunda (17) a quarta (19) a reportagem procurou por email e/ou por telefone todas as outras cidades citadas, mas nenhuma delas respondeu até a publicação desta reportagem.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.