O fim do degelo

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Você sabia que o dinheiro que o cliente tem no bolso quando vai a um restaurante ou a um hotel pertence ao dono do estabelecimento? Calma, não é bem assim. No Direito das Coisas, vigora o instituto do “penhor”, que é uma garantia de pagamento. O devedor oferece um bem como caução de que honrará a obrigação contraída junto ao credor, chamado “pignoratício”. Este tem direito de reter a coisa até que a dívida seja paga ou, como se diz erroneamente, “quitada”.

Se não o for, o credor não pode se apropriar da coisa. Isso se chama “pacto comissório”, expressamente proibido pelo Código Civil (art. 1.428), e não apenas ao pignoratício, mas também a outros tipos credores, o anticrético e o hipotecário (verifica se alguma dessas palavras te fascina). O que cabe ao credor fazer é ir à Justiça para que o bem seja vendido e ficar com o valor apurado no leilão.

Tudo isso se aplica ao penhor convencional, que é o estipulado voluntariamente entre as partes. Mas há também o penhor legal, que não decorre de contrato e sim diretamente da lei, como no caso de restaurantes e hotéis. O Código exige apenas que haja uma tabela de preços “impressa, prévia e ostensivamente exposta na casa” (art. 1.468).

Quer dizer que o gerente pode se apoderar da grana? Se estiver na roupa, pode meter a mão e tomá-la? Pode enxotar o hóspede e ficar com seus pertences? Ou, ao contrário, impedir sua saída até que alguém zere a conta? O restaurante pode obrigar o caloteiro a lavar os pratos? O caloteiro pode ser preso? Como fica tudo isso com reserva pela internet e cartão de crédito?

Muitas vezes, a lei só fornece um esquema geral. Na hora do vamos ver, a resposta detalhada precisa ser construída com outras ferramentas: analogia, costumes e princípios (Decreto-Lei 4.657). A experiência jurídica é um carnaval de figuras de linguagem. Uma das fantasias é a silepse.

Ivaldo Lemos Júnior, procurador de justiça do MPDFT

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