Apagões e a população reduzida a ‘cliente’ sem direito a uma necessidade humana básica

Apagões em São Paulo serviram para abrir uma discussão sobre direito do cidadão a uma necessidade básica (Foto: Divulgação)

Quem acompanha os noticiários na TV diariamente percebeu que o apagão energético em São Paulo ocupou boa parte da pauta da mídia brasileira por vários dias, com informações chegando até mesmo para quem nem queria saber do assunto. Lá foram 300 mil residências sem energia em cinco dias de blecaute, o suficiente para mobilizar a política brasileira.

Obviamente que, em se tratando da importância econômica de São Paulo para o país, não se pode comparar os reflexos provocados pelo apagão de lá com os constantes apagões que ocorrem em Roraima. No entanto, os constantes apagões daqui também atingem uma população até bem maior que os 300 mil de lá.  

Lá, descobriram que o apagão acabou por revelar a perda de cidadania com a privatização de serviços públicos, com a mídia cobrando providências não apenas da iniciativa privada, mas também dos gestores públicos em todos os níveis de governo. Aqui, nada de repercussão e nenhuma cobrança para que os políticos sejam responsabilizados.

Por lá, anunciar o Procon à disposição para agir não bastou, pois moradores e empresas apenas recorrendo aos órgãos de defesa do consumidor significa livrar os políticos de suas responsabilidades.  Aqui, sequer uma movimentação para orientar os consumidores a buscarem seus direitos, com autoridades omissas e em silêncio.   

Mas essa é a grande questão: o papel apenas de orientar a população a buscar seus direitos significa que o cidadão foi transformado apenas em “cliente”, como se o fornecimento de energia elétrica não fosse mais um direito humano básico. A crise energética em São Paulo apontou que é necessário tratar a situação energética como um problema além do “direito do consumidor”.

Em Roraima, os apagões nos municípios seguem rotineiros, a exemplo do Município do Amajari, incluindo o principal ponto turístico de Roraima, a Serra do Tepequém, onde a questão é grave (inclusive ontem faltou energia). Nesse local, a empresa energética privatizada trata moradores apenas como “clientes” despossuído de qualquer necessidade básica garantida por lei.

Na Vila Tepequém, na semana passada, a empresa promoveu um corte de energia de vários moradores que eram abastecidos por ligações clandestinas, já que não existe um trabalho de expansão e regularização, mesmo que os moradores queiram pagar sua conta como consumidores regulares. Antes de qualquer ação extrema, é obrigação da empresa promover um esforço para regularizar a situação desses moradores, o que não ocorre.

E assim se repete em outras localidades, onde fornecimento de energia por empresa privada reduz o cidadão a “clientes”, sem qualquer responsabilidade social e humana com quem precisa de energia elétrica como um bem básico e essencial. Da mesma forma que ocorre com o abastecimento de água, que também é um direito básico do ser humano, cujo serviço ainda é uma concessão do poder público (mas esse é assunto para outro artigo).

Passou da hora de as autoridades assumirem suas responsabilidades com os seguidos apagões energéticos em Roraima, especialmente nos municípios do interior, onde a situação é crítica. Não dá mais para fingir que o problema não existe e que se resuma a uma relação de “cliente” e “empresa”. Os órgãos fiscalizadores e demais autoridades precisam sair de seu berço esplêndido.

*Colunista

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