Pacientes com esclerose múltipla enfrentam dificuldades para obter medicação no DF

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Fraqueza muscular, desequilíbrio e fadiga intensa que não melhora, embaçamento da visão, diminuição da sensibilidade do corpo, problemas na fala e espasmos: esses são alguns dos sintomas que podem se manifestar em pacientes com esclerose múltipla (EM). No Brasil, cerca de 40 mil pessoas vivem com a doença, segundo o Ministério da Saúde. A doença neurológica autoimune que afeta o sistema nervoso central. Não tem cura, mas pode ser controlada com diagnóstico precoce e tratamento adequado. Ela é considerada rara, com uma prevalência de 15 casos por 100 mil habitantes.

Assim vivem os pacientes com esclerose múltipla no Distrito Federal, que relatam dificuldades para obter a medicação necessária para o tratamento da doença. Enquanto alguns enfrentam negativas de planos de saúde, outros aguardam a distribuição do medicamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A espera, segundo os relatos, gera angústia e incerteza.

Segundo dados divulgados em 2024 pela Associação de Pessoas com Esclerose Múltipla, no Distrito Federal, 1.200 pessoas têm diagnóstico da doença. Desse total, 70% fazem tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

A esclerose múltipla atinge principalmente pessoas com idade entre 20 e 50 anos e compromete o sistema nervoso central. Essa doença é autoimune e caracteriza-se pela desmielinização da bainha de mielina, envoltório das células nervosas (axônios) por onde passam os impulsos elétricos que controlam as funções do organismo. Com isso, há a inversão do seu papel: em vez de proteger o sistema de defesa do indivíduo, ela passa a agredi-lo, produzindo inflamações.

Se não for devidamente diagnosticada e controlada, a esclerose múltipla gera sintomas físicos, como déficit motor, de coordenação e da visão, e cognitivos, afetando a memória e a atenção. Entre os principais sintomas estão fadiga, distúrbios visuais, rigidez, formigamento, fraqueza muscular, desequilíbrio, alterações sensoriais, dor, disfunção da bexiga ou do intestino, disfunção sexual, dificuldade para articular a fala, dificuldade para engolir, além de alterações emocionais e cognitivas.

A técnica de enfermagem Rosiane Rodrigues de Deus, de 38 anos, moradora do Cruzeiro Novo, luta há mais de um ano para conseguir o remédio necessário para controlar a doença. Inicialmente, ela era atendida pelo plano de saúde da Unimed, que cobria a medicação Ocrelizumabe (Ocrevus), administrada por infusão a cada seis meses. No entanto, após um processo judicial para garantir o fornecimento contínuo do remédio, a empresa cancelou unilateralmente seu plano em 2022.

“Eu recebia a medicação sempre por meio de adiantamento de tutela judicial. A cada seis meses, meu advogado entrava com uma nova ação, e eu conseguia tomar a infusão. Até que, depois de três anos assim, o convênio me enviou um e-mail dizendo que não tinha mais interesse comercial em mim e cancelou meu plano”, conta Rosiane.

A técnica de enfermagem relata que o cancelamento foi um choque, já que dependia da medicação para manter sua qualidade de vida e evitar novos surtos da doença. “Fiquei sem chão. De uma hora para outra, perdi minha principal forma de controle da esclerose. Comecei a procurar outros planos de saúde, mas, por conta da carência para doenças preexistentes, nenhuma operadora aceitava me atender de imediato. E eu não podia esperar dois anos para começar um novo tratamento”, explica.

Sem cobertura de um convênio e sem conseguir contratar outro plano, Rosiane buscou alternativas no SUS. Seu médico indicou um novo remédio, o Mavaclad, que já foi aprovado para distribuição pela rede pública. No entanto, até o momento, a Secretaria de Saúde do DF ainda não realizou a compra da medicação.

A espera, segundo ela, tem sido angustiante. “Estou com toda a documentação aprovada, já enviei tudo por e-mail e, na segunda-feira, vou levar pessoalmente à farmácia de alto custo da Asa Sul. Mas o remédio ainda não foi comprado. Estou há mais de um ano sem medicação. Se eu tiver um surto hoje, não tenho como controlar”, desabafa.

A ausência do medicamento não impacta apenas sua saúde física, mas também seu bem-estar emocional. “A esclerose múltipla é uma doença imprevisível. Eu posso estar bem hoje e, amanhã, perder a capacidade de andar, de falar, de me movimentar normalmente. Sem a medicação, fico vulnerável a qualquer novo surto. Isso gera uma ansiedade enorme”, afirma.

Além das dificuldades médicas, Rosiane destaca o impacto financeiro da busca pelo tratamento. “Se eu fosse comprar o medicamento por conta própria, custaria cerca de R$ 40 mil por caixa. É um valor impossível para mim. E, enquanto o governo não compra, fico sem alternativa”, lamenta.

A incerteza sobre quando o medicamento estará disponível também preocupa Lorena de Deus, de 38 anos, moradora do Jardim Mangueiral. Nutricionista e funcionária de uma empresa privada, ela recentemente recebeu a indicação para tomar o Ocrelizumabe, mas teve o pedido negado pela Secretaria de Saúde sob a justificativa de que o medicamento não era indicado para o seu tipo de esclerose múltipla, a secundariamente progressiva.

“Hoje já há evidências científicas e artigos que mostram a eficácia do Ocrelizumabe para esse tipo da doença. Ainda assim, meu pedido foi negado. Entrei com processo pela Defensoria Pública para tentar garantir o medicamento”, relata.

Lorena até poderia acessar a medicação por meio do plano de saúde oferecido por sua empresa, mas, para isso, teria que arcar com uma coparticipação de 30% do valor total do medicamento – um custo inviável. “Eles descontariam o valor de uma só vez do meu salário. Eu passaria o ano inteiro sem receber nada”, explica.

A mesma luta por tratamento atinge Mariana Moreira, de 29 anos, moradora de Taguatinga. Diagnosticada com esclerose múltipla em 2021, ela também enfrenta dificuldades para conseguir a medicação pelo SUS. Segundo Mariana, o processo para obter o remédio tem sido burocrático e demorado, o que compromete seu tratamento.

“No começo, eu tomava um medicamento que já não fazia mais efeito. Meu médico trocou para um remédio mais moderno, que já foi aprovado pelo SUS, mas que nunca está disponível na farmácia de alto custo. Cada ida lá é uma frustração”, relata.

Mariana conta que, sem a medicação adequada, os sintomas da doença têm se agravado. “Sinto fadiga extrema, dores musculares e tenho dificuldades para caminhar longas distâncias. O medicamento me ajudaria a ter uma vida mais normal, mas, sem ele, tudo se torna um desafio”, desabafa.

Além dos problemas de saúde, a incerteza sobre a continuidade do tratamento gera um grande impacto emocional. “A gente já tem que lidar com uma doença complicada, e ainda precisa enfrentar essa batalha para conseguir o que deveria ser garantido. É um descaso total com os pacientes”, critica Mariana.

Respostas oficiais


Diante da situação relatada pelas pacientes, a reportagem entrou em contato com a Secretaria de Saúde do DF para obter mais informações sobre o assunto. Em nota, a pasta informou que a rede pública do DF oferece vários tipos de medicamentos para o tratamento da esclerose múltipla e que, caso o medicamento que o paciente utiliza esteja em falta, é necessário retornar ao médico para uma readequação do tratamento.

Quanto ao medicamento Cladribina 10 mg, a SES/DF afirmou que ele não é padronizado pelo órgão e, portanto, só é dispensado por meio de decisões judiciais. A compra está em processo para recomposição de estoque.

Já o Ocrelizumabe não é padronizado pela SES/DF e, assim, também é dispensado apenas por meio de decisões judiciais. Segundo a secretaria, o medicamento consta nos estoques para distribuição.

Sobre os casos das pacientes entrevistadas, a SES/DF não se pronunciou.

Procurada, a Unimed Nacional não respondeu até o fechamento desta edição.

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