Papa Francisco tenta reforçar imagem de cristão comum em 12 anos de papado

MICHELE OLIVEIRA
MILÃO, ITÁLIA (FOLHAPRESS)

O modo como Francisco tem lidado há quase um mês com a internação é mais uma demonstração da sua tentativa de humanizar a imagem do papa, algo que promove desde quando foi escolhido, há 12 anos, completados nesta quinta-feira (13).

“Ele é um cristão como muitos, que adoece, é tratado em hospital e busca suportar suas dores de maneira cristã”, diz Daniele Menozzi, historiador da Igreja Católica e professor emérito da Escola Normal Superior de Pisa, à reportagem.

Aos 88 anos, o pontífice está internado desde 14 de fevereiro no hospital Agostino Gemelli, em Roma. Chegou para tratar de uma bronquite, recebeu diagnóstico de infecção polimicrobiana nas vias respiratórias e, depois, de pneumonia bilateral. Sofreu ao menos quatro crises respiratórias, e seu quadro se agravou.

Os boletins médicos descreveram situações delicadas, como a necessidade de aspiração de vômito inalado. Na semana passada, um áudio de agradecimento do papa aos que rezam por ele revelou uma voz ofegante e frágil. A transparência das informações, incomum para o Vaticano, é um pedido de Francisco.

Na segunda-feira (10), a equipe médica avisou que, diante de uma melhora consolidada, foi descartado perigo iminente de morte, ao menos por ora. No entanto, Francisco continuará o tratamento no hospital.

A linha de dessacralização adotada por Francisco é uma mudança de rota em relação aos antecessores. Ao ser escolhido papa, trocou sapatos de couro vermelho por pares convencionais pretos e preferiu morar na Casa Santa Marta, um edifício de hospedagem dentro do Vaticano, em vez de no Palácio Apostólico. Recentemente, simplificou ritos funerários dos pontífices, inclusive o material do caixão com que devem ser sepultados.

“O pontificado dos últimos séculos pensou em reagir à secularização assumindo um papel sacro. Para Francisco, deve-se reagir mostrando ao mundo secular quais são os valores do Evangelho, ou seja, os da pobreza e do serviço”, afirma Menozzi.

É um traço de um papado que tem como principal característica a ação reformadora, diz o historiador. Entre as mudanças mais significativas, ele destaca o processo sinodal, que buscou ouvir fiéis do mundo todo sobre o futuro da Igreja, e a nomeação de mulheres para cargos importantes da cúpula do Vaticano.

Ao mesmo tempo, Francisco escolheu não mudar um dos pontos debatidos nas últimas semanas, conforme sua internação foi se estendendo: como o Vaticano deve agir se um papa doente perde a capacidade de governar a igreja.

Sabe-se que Francisco deixou pronta uma carta de renúncia para ser usada em caso de impedimento por motivos de saúde. Mas não é claro quem deve tomar a decisão de declarar que o papa está incapacitado e apresentar o documento, nem quais circunstâncias clínicas permitiriam isso.

Para o historiador, a praxe da carta, instaurada a partir de Paulo 6º, papa de 1963 a 1978, exige uma regulação legislativa do Vaticano. “Falta uma disciplina canônica, algo que se faz sempre mais necessário diante dos progressos da medicina e do prolongamento da vida”, diz.

Enquanto o papa está no hospital, o Vaticano procura mostrar que ele segue ativo no comando da igreja, despachando documentos, textos para orações e recebendo o número dois da Cúria Romana, o secretário de Estado, Pietro Parolin. Francisco precisou, porém, delegar compromissos ligados ao Jubileu, e há quatro domingos não recita o Angelus, tradicional compromisso diante dos fiéis na praça São Pedro.

“É um vazio ainda mais dramático diante dos momentos difíceis que estamos vivendo na geopolítica. Faz falta uma voz importante como a de Francisco”, diz Menozzi. Um efeito imediato das últimas semanas, afirma, foi a aceleração das conversas, entre o clero, sobre a sucessão em um eventual conclave.

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