O legado de Ainda Estou Aqui para o cinema brasileiro

Uma semana se passou desde que Ainda Estou Aqui venceu o Oscar de Melhor Filme Internacional. A conquista, inédita para o Brasil, foi sucedida por comemorações que transcenderam as redes sociais e ganharam as ruas em pleno Carnaval. A vitória, no entanto, segue acompanhada de uma dúvida: qual o legado que o filme de Walter Salles deixa para o cinema brasileiro?

Ainda Estou Aqui chegou a um lugar onde nenhum outro filme brasileiro jamais esteve. Além da vitória, também foi indicado na categoria de Melhor Filme – outro feito inédito para o país. O legado deixado pelo longa, segundo Vitor Búrigo, apresentador do podcast Plano Geral e idealizador do CineVitor, dedicado principalmente ao cinema nacional, se dá para além da consolidação do prêmio – sendo construído durante a própria campanha.

“Desde essa trajetória no Festival de Veneza, o filme vem colocando o cinema brasileiro em evidência. Walter Salles já é conhecido lá fora, mas as pessoas começaram a ficar atentas ao nosso cinema e isso vai continuar, tem que continuar. Não depende só de uma distribuidora, atriz, ator ou diretor, depende de muita coisa. Inclusive do público brasileiro”, afirmou Vitor.

O fato é que o longa de Salles foi visto pelo mundo, mas também no próprio Brasil. Ao todo, foram R$ 105 milhões arrecadados em salas de cinema no país, segundo dados do Sistema de Controle de Bilheteria reunidos pela Ancine (Agência Nacional do Cinema). O filme é a terceira maior bilheteria de uma produção nacional desde 2018 e a maior no período pós-pandemia. Com a vitória, surge a expectativa de que produções nacionais continuem sendo vistas internamente.

“Acho que o Oscar traz um gás, coloca a gente em um lugar que antes talvez não estivéssemos por um pré-conceito com o cinema brasileiro. Quando vai para o Oscar uma história que fura a bolha, é preciso que seja pensado uma maneira de levar esses filmes para fora daqui, em como fazer uma campanha. É preciso muito investimento”, disse Vitor.

Qual o legado de Ainda Estou Aqui para o cinema brasileiro 1

Qual o legado de Ainda Estou Aqui para o cinema brasileiro 1

Para divulgar e ser visto, é preciso investir

Bruno Carmelo, crítico de cinema criador do site e canal Meio Amargo, entende que um dos principais legados de Ainda Estou Aqui está na forma como o filme escancara a necessidade de investimento para que uma produção brasileira chegue e vença grandes premiações. Ele argumenta que a qualidade de um longa nem sempre será suficiente para torná-lo conhecido pelo público e premiado fora do país.

“O que a gente mais espera é que se perceba que não tem como um filme, por melhor que ele seja, disputar o Oscar e ser reconhecido em grandes premiações sem investimento por trás. Não basta fazer um filme excelente, enviar para esses comitês de seleção e ficar sentado esperando que as pessoas gostem e votem. Não tem nada que obrigue os votantes a assistir todos os filmes inscritos e muitos deles assumidamente não assistem a tudo. O fato é que a gente precisa fazer um esforço muito grande para que esses filmes sejam vistos, é basicamente o que Ainda Estou Aqui conseguiu fazer com esse aporte importante da Sony Pictures e da RT Features”, afirmou Bruno.

Depois de sua estreia no Festival de Veneza e nos cinemas brasileiros, Ainda Estou Aqui continuou sendo falado e apresentado para o mundo. Contou com sessões especiais, mediadas por cineastas conhecidos, em países como Alemanha e Estados Unidos. Salles e Fernanda Torres estiveram, frequentemente, participando de entrevistas em talk shows e demais programas estadunidenses de sucesso. Nesse caso, as jornadas foram bancadas com recursos privados, mas há exemplos de países que hoje possuem um acesso muito maior ao Oscar e que contam com investimentos públicos para tal.

É o caso da França e Coreia do Sul, países que com uma certa frequência conquistam indicações nas categorias de Melhor Filme e Melhor Filme Internacional. Ainda que neste ano não estivessem representados, os sul-coreanos há não muito tempo venceram a principal categoria do prêmio da Academia com Parasita (2019). Os franceses, por outro lado, estão constantemente pleiteando indicações e vitórias – a exemplo de Anatomia de Uma Queda (2023), vencedor de Melhor Roteiro Original na edição do ano passado.

“A gente precisa que se invista para que as pessoas descubram o nosso cinema. Não basta ficar sentado dizendo que ele é bom, se as pessoas não sabem que ele existe. E isso vale tanto lá para fora quanto para dentro do país,” disse Bruno. “Todos esses grandes países [no caso, França e Coreia do Sul] tem aporte do governo e seus ministérios financiando essas idas, viagens, deslocamentos e entrevistas por todos os Estados Unidos ou lugares da Europa onde são exibidos, para que as pessoas possam de fato falar e participar do debate”, completou.

Agora temos precedentes

Assim como, ao indicar Fernanda Torres ao Oscar de Melhor Atriz neste ano, a Academia olhou para trás e lembrou da indicação de sua mãe, Fernanda Montenegro, para a mesma categoria há mais de duas décadas, entende-se que a vitória de Ainda Estou Aqui possa estar presente na mente dos votantes em outras edições do prêmio. Agora, há precedentes para uma vitória do Brasil ou indicação na categoria principal. Bons filmes brasileiros existem aos montes, todos os anos, resta a garantia de um caminho a ser percorrido.

“Acho que já começou esse pensamento estratégico, de como será a estratégia para o próximo filme brasileiro. Tivemos o Brasil premiado em Berlim recentemente, com O Último Azul. O novo filme do Kleber Mendonça Filho tem tudo para estrear em Cannes. Agora é continuar torcendo, evidenciando e destacando o cinema brasileiro. O público lá fora começa a olhar diferente para o nosso cinema”, disse Vitor. “Abriu-se uma porta muito importante com Ainda Estou Aqui, mas a gente não pode simplesmente torcer para que isso se repita sem tirar as devidas conclusões e lições desse caso de sucesso”, comentou Bruno.

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