União e Paraná brigam por área que abriga Cataratas do Iguaçu e hotel de luxo

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CATARINA SCORTECCI
CURITIBA, PR (FOLHAPRESS)

Parte da área do Parque Nacional do Iguaçu, que abriga o principal ponto turístico do Paraná, as Cataratas do Iguaçu, é alvo de uma briga judicial entre o Governo do Paraná e a União.

A disputa é por uma área de 1.085,3280 hectares, o equivalente a 1.520 campos de futebol, localizada em faixa de fronteira, às margens do rio Iguaçu, junto aos famosos Saltos de Santa Maria, e onde também está instalado um luxuoso hotel inaugurado em 1958, o Hotel das Cataratas.

A última decisão judicial é da 12ª Turma do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), que em 5 de fevereiro deu razão ao Governo do Paraná. Mas a União vai recorrer.

Para o Parque Nacional do Iguaçu, de responsabilidade do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), a decisão do TRF-4 é “intempestiva e temerária” e “esperamos que seja revertida, para o bem do meio ambiente, da sociedade local e de todo o Brasil”. A área total do parque é de cerca de 170 mil hectares.

A batalha judicial se arrasta desde março de 2018, quando a União resolveu entrar com uma ação contra o estado do Paraná pedindo o cancelamento da matrícula do terreno no 2º Ofício de Registro de Imóveis de Foz do Iguaçu.

O estado alega ter adquirido a área do uruguaio Jesus Val, registrando a compra em 11 de outubro de 1919. Além disso, em 9 de fevereiro de 2012, o Paraná fez um novo registro do imóvel, no 2º Ofício de Foz do Iguaçu.

No processo, a PGE (Procuradoria Geral do Estado) argumentou que a área foi doada a Jesus Val pela União, através do então Ministério da Guerra, em 1910. Na sequência, em 1919, o estado comprou a área do uruguaio e registrou a escritura.

Mas, segundo a União, um decreto presidencial assinado em 1971 definiu que os imóveis localizados nos limites do Parque Nacional do Iguaçu eram de “interesse social, para fins de desapropriação”. Ou seja, passariam a ser de propriedade federal. Para a União, houve “um erro grosseiro cometido pelo estado do Paraná” ao registrar o terreno em seu nome no ano de 2012.

No processo, a União cita ainda uma jurisprudência do STF (Supremo Tribunal Federal), que “tem afirmado, há quase um século, que todas as terras devolutas [terras públicas] situadas na faixa de fronteira pertencem à União”.

Mas, na visão do estado do Paraná, a área em disputa não pode ser considerada devoluta.

Em abril de 2020, o juiz federal Sergio Luis Ruivo Marques, da 1ª Vara Federal de Foz do Iguaçu, assinou sentença a favor da União. O Paraná, porém, recorreu ao TRF-4 e, no início deste mês, conseguiu reverter a decisão.

O relator do caso no TRF-4 foi o desembargador Luiz Antonio Bonat, que, em seu voto, disse que “a área em questão não é devoluta, já que foi concedida pelo Ministério da Guerra a Jesus Val na antiga Colônia Militar do Iguaçu”.

“No momento em que a área foi titulada pelo particular, incorporou-se ao domínio privado, perdendo o caráter devoluto”, escreveu Bonat. Ele foi acompanhado pelos desembargadores João Pedro Gebran Neto e Gisele Lemke.

Já o juiz de primeira instância teve outro entendimento e observou que o erro teria começado ainda em 1916, quando o “pai da aviação” Alberto Santos Dumont persuadiu o presidente do estado do Paraná Affonso Alves de Camargo a desapropriar as terras de Jesus Val.

“Após visitar as Cataratas do Iguaçu, inconformado com o fato de tamanha maravilha pertencer a um particular, viu-se compelido a, de alguma forma, fazer voltar ao patrimônio público a área em questão”, anotou Ruivo Marques, acrescentando que, em 31 de julho de 1916, foi publicado um decreto assinado por Affonso Alves de Camargo por meio do qual a área concedida a Jesus Val era declarada de utilidade pública, já com a intenção de transformar o local em um parque.

“Por ter sido o decreto emitido por autoridade estadual, ficou a cargo do estado do Paraná o processo de desapropriação da área, o que, ao ver deste julgador, foi um erro”, continua o juiz.

“Se a intenção nobre de Santos Dumont era devolver ao poder público a área de esplêndida beleza, era à União que deveria retornar a propriedade. Nada mais natural. O imóvel incontestavelmente, na sua origem, era da União, que, por meio do Ministro da Guerra, a concedeu a um particular”, reforçou o magistrado.

No processo, a PGE explicou que, com a declaração de utilidade pública da área, Jesus Val entrou com uma ação na Justiça Federal para obter indenização e o conflito foi solucionado por conciliação, com a compra da área pelo estado do Paraná em 1919 -uma quantia de “duzentos e noventa e oito contos, setecentos e dezesseis mil, trezentos e vinte e dois réis”, conforme o registro.

Mas o pano de fundo da disputa hoje é o valor arrecadado pela exploração do Parque Nacional do Iguaçu, criado por um decreto de 1939. Segundo a PGE, se a decisão do TRF-4 for mantida, ela representaria “um grande potencial financeiro ao Paraná, cujo objeto pode ser debatido com a União no futuro”.

“Uma das possibilidades é a destinação de parte das receitas operacionais da concessionária que administra os serviços turísticos do Parque Nacional do Iguaçu para o estado. Atualmente, eles são direcionados ao ICMBio, órgão federal”, disse a PGE.

Em 2020, a Assembleia Legislativa do Paraná chegou a aprovar uma lei, de autoria do deputado estadual Luiz Fernando Guerra (União Brasil), que autoriza o governo do Paraná a “efetuar a Concessão de Direito Real de Uso [do imóvel], a título oneroso, ao ICMBio”.

Mas o Parque Nacional do Iguaçu e o ICMBio contestam a interpretação da PGE e do deputado. “A eventual transferência de posse do monumento natural, administrado pelo Poder Público Federal desde 1939, não torna o estado do Paraná apto a receber os recursos da concessão, realizada por contrato firmado entre a União e a iniciativa privada mediante processo licitatório federal”, disse o parque.

“Entendemos que isso tornaria o contrato nulo, causando imensos transtornos à operação turística, que precisaria ser interrompida até que a desafetação da área seja completada, a fim de que o estado assuma a gestão do território.”

O parque ainda afirmou que a eventual transferência pode gerar o cancelamento do título de patrimônio natural da humanidade ao local, concedido pela Unesco em 1986, e acrescentou que as consequências ambientais “também seriam catastróficas”.

“Não sabemos se o estado do Paraná teria interesse na manutenção do status de área protegida do território, ou se daria curso à ocupação da área por novos empreendimentos turísticos, como hotéis e restaurantes”, argumentou o parque.

Além disso, segundo o ICMBio, todos os instrumentos constituídos até hoje perderiam validade, como “acordos, convênios, planos de manejo, pesquisa”, com impactos para a sociobiodiversidade.

Procurada, a concessionária Urbia Cataratas diz que não se posiciona sobre o assunto.

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