Geopolítica palestina e as fake news da grande mídia

Foto: Lara Jameson/Pexels)

Semana passada, escrevi um artigo aqui no Observatório da Imprensa, apontando como a grande mídia, em seus noticiários internacionais, transformou o Estado de Israel, responsável pelo genocídio do povo palestino, em “vítima” da população que tenta eliminar há, pelo menos, oito décadas. Entre as artimanhas editoriais utilizadas para tal empreitada, contrariando os princípios éticos básicos do jornalismo, está a propagação de notícias falsas, mais conhecidas atualmente como “fake news”.

Desde o dia 7 de outubro de 2023 – quando houve a contraofensiva liderada pelo Hamas no sul de Israel –, Globo, Folha, Veja e companhia têm utilizado seus arsenais de desinformações como propaganda de guerra sionista. Nesse sentido, as fake news começam com o chamado jornalismo de adjetivação nas manchetes: “grupo terrorista Hamas” e “Israel, única democracia do Oriente Médio”.

Em 2006, o Hamas venceu as eleições legislativas palestinas, portanto é um ator político legitimado pelas urnas. A ONU, o governo brasileiro e até mesmo grandes conglomerados de comunicação como a BBC não consideram o grupo como “terrorista”. Já o mito da democracia israelense é ainda mais fácil desconstruir. Não pode ser considerado “democracia” um país onde 20% da população – os palestinos – são cidadãos de segunda classe, não têm acesso à terra, podem ser detidos sem qualquer tipo de acusação formal e tem o direito de ir e vir cerceado. Tudo isso sem falar na prisão a céu aberto de Gaza e nos bantustões da Cisjordânia.

Lembrando as observações de Judith Butler, no livro Caminhos Divergentes: judaicidade e crítica ao Sionismo, Israel não respeita os padrões internacionais de justiça, sobre igualdade e não discriminação, definidos no liberalismo clássico, pois, naquele Estado, a cidadania é determinada por pertencimento religioso ou étnico. Sendo assim, só nas fake news midiáticas Israel é uma democracia.

Conforme escrevi na semana anterior, os noticiários internacionais da grande mídia sobre a geopolítica palestina buscam transformar vítimas em algozes e vice-versa. Desse modo, logo após o 7 de outubro, foi reverberada em larga escala a fake news sobre os 40 bebês israelenses decapitados pelo Hamas no kibutz de Kfar Aza (desmentida até pelo exército israelense). Nessa mesma época, Mônica Waldvogel se sentiu completamente à vontade na GloboNews para afirmar que “parte do PT tem ligação com o Hamas” – mesmo sabendo que nunca houve qualquer tipo de ligação oficial do partido com o grupo palestino.

Recentemente, ao noticiar mais uma etapa das trocas de reféns entre Israel e Hamas, a grande mídia, mantendo a tradição, reproduziu mais uma fake news. Sem apresentar provas, o Jornal Nacional – em um tom dramatizado, insinuando que o Hamas fez um “desfile de horrores” – “noticiou” que a família israelense Bibas (reféns do Hamas) foi morta pelo grupo palestino.

Na verdade, os Bibas, assim como cerca de 50 mil palestinos, foram mortos pelas bombas de Israel lançadas em Gaza. Num comunicado, o Hamas disse que foi feito tudo o que estava ao seu alcance para proteger os prisioneiros e preservar as suas vidas, mas o exército sionista matou-os juntamente com os seus captores.

Recorrendo ao pensamento do saudoso Alberto Dines, a mídia hegemônica brasileira transforma meras reportagens em verdadeiros editoriais. Em outras palavras, coberturas jornalísticas, que deveriam se limitar à transmissão de informações ou a relatos dos fatos, tornam-se mecanismos para escoar uma determinada agenda política. No caso da geopolítica palestina, como dito, as linhas editoriais deixaram de ser simples coberturas jornalísticas para se tornarem grotescos panfletos da agenda bélica sionista.

Em suma, quando pensamos sobre desinformação em relação ao que acontece no mundo, os grupos de WhatsApp bolsonaristas ainda têm muito o que aprender com aquilo que delirantemente chamam de “extrema imprensa”.

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Francisco Fernandes Ladeira é Professor da UFSJ, Doutor em Geografia pela Unicamp e Especialista em Jornalismo pela Faculdade Iguaçu.

 

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