Ética jornalística e liberdade de expressão em tempos de desinformação e IA

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Por Simone Salles*

Em um cenário onde a desinformação prolifera, jornalistas comprometidos com a ética e a liberdade de expressão desempenham um papel de resistência na manutenção da democracia. A essência do jornalismo ético reside na busca incessante pela verdade, na precisão das informações e na imparcialidade, mesmo quando pareça mais estratégico silenciar. Esses pilares são indispensáveis para manter a confiança do público e a integridade da profissão. Com a introdução de ferramentas de Inteligência Artificial (IA) no processo jornalístico, essas premissas éticas enfrentam novas nuances e desafios.

A utilização da IA no jornalismo tem potencial para otimizar tarefas rotineiras e permitir que jornalistas se concentrem em atividades mais analíticas e criativas. No entanto, especialistas alertam para os riscos associados, como a possibilidade de plágio, disseminação de desinformação e a perda do elemento humano na narrativa jornalística. Há, ainda, preocupações sobre vieses algorítmicos, uma vez que muitos modelos de IA são treinados com dados que podem não refletir a diversidade cultural e linguística global, potencialmente perpetuando preconceitos existentes.

A apuração e a edição cuidadosas continuam elementos essenciais do jornalismo de qualidade. Erros nesses processos podem levar a desvios éticos e à disseminação de notícias falsas, ou fake news, e contribuir para a queda nos índices de credibilidade da imprensa. De acordo com o relatório Digital News Report 2023 do Instituto Reuters para Estudos do Jornalismo da Universidade de Oxford, a confiança no jornalismo está em declínio: em 2022, 43% dos entrevistados não confiam nas notícias veiculadas pela imprensa, percentual que aumentou para 48% no ano seguinte. Além disso, 41% dos brasileiros afirmaram evitar o consumo de notícias e o conteúdo jornalístico, índice superior à média global de 36%.

A presença de veículos de comunicação que, por vezes, adotam posturas militantes e disseminam informações tendenciosas ou falsas agrava a situação. Essa prática ideológica não apenas compromete a integridade jornalística, mas também impacta diretamente a liberdade de expressão coletiva e a saúde da democracia. Organizações de mídia têm se mobilizado para estabelecer diretrizes que assegurem o uso responsável da IA no jornalismo, mas a maioria dos profissionais não contam com orientações específicas nos moldes do antigo manual de redação, nem com uma política de IA em seus locais de trabalho.
O jornalista Mário Marques alerta que a sociedade está sendo constantemente bombardeada por fake news. Em sua análise, enquanto algumas emissoras que dependem de recursos federais e jornalistas ligados a organizações não governamentais e estatais afirmam combater a desinformação, o que essa imprensa militante faz é exatamente o oposto: propagar fake news para continuar recebendo dinheiro público.

Essa contradição evidencia a necessidade de uma imprensa independente e comprometida com a verdade. O Relatório de Notícias Digitais do Instituto Reuters realizado em 2024, aponta que as preocupações com o conteúdo de notícias falsas online aumentaram em todo mundo e que é grande a relutância geral do público em pagar por assinaturas de notícias.Segundo o estudo, o usuário recorre, como alternativa, aos influenciadores de notícias, que hoje desempenham um papel de fonte mais procurado do que as principais organizações de mídia.

A hostilidade à imprensa e a propagação de notícias falsas não apenas descredibilizam os meios de comunicação, mas também prejudicam a sociedade democrática como um todo.

Um vídeo recente publicado pelo jornalista Fernão Lara Mesquita aborda questões sobre a ética no jornalismo a partir de uma palestra que ele ministrou há 20 anos atrás. Ele cita os sete pecados e mandamentos da imprensa de Paul Johnson, jornalista e historiador britânico. Nesse contexto, Mesquita condena a distorção deliberada, a seleção tendenciosa dos fatos, a edição inescrupulosa, a crítica injustificada, a supressão de nuances.

Os princípios discutidos por Mesquita mantêm-se pertinentes, especialmente diante dos desafios impostos pela crescente incorporação da Inteligência Artificial nas redações. A reflexão proposta por Fernão Lara Mesquita sobre a ética no jornalismo torna-se, portanto, ainda mais relevante na era digital.

A integração da IA nas práticas jornalísticas exige uma reavaliação constante dos valores éticos tradicionais, assegurando que a tecnologia sirva como uma aliada na promoção de um jornalismo responsável, preciso e humano.

Não se sabe como os ambientes de informação se apresentarão no futuro. Sabe-se, a partir de pesquisas como a do Instituto Reuters, que os veículos de comunicação atuais precisam entender onde estão as maiores lacunas entre o que o público quer e o que os editores fornecem atualmente. As redações precisam construir um relacionamento direto com seu público e, ao mesmo tempo, usar estrategicamente as plataformas para se conectar com pessoas mais difíceis de alcançar.

Uma boa dica para os veículos de comunicação é investir em práticas jornalísticas éticas, priorizando a precisão, a imparcialidade e a transparência. Além disso, a educação midiática da população torna-se essencial, capacitando os cidadãos a discernir entre informações verídicas e falsas, fortalecendo, assim, a liberdade de expressão e a democracia.

A ética no jornalismo não é apenas uma diretriz profissional, mas um compromisso com a sociedade. Em tempos de desinformação, manter-se fiel aos princípios éticos é fundamental para restaurar a confiança do público e assegurar o papel vital da imprensa na construção de uma sociedade mais justa e informada.

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Simone Salles é jornalista e mestre em comunicação
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