Tarifas de Trump ameaçam triangulação de siderúrgicas brasileiras com México

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PEDRO LOVISI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

As tarifas do governo americano sobre todo tipo de aço que entra no país vão afetar não só as vendas diretas de aço brasileiro para os EUA, mas também uma grande parte do comércio do produto com o México. O país da América do Norte serve como ponte de algumas siderúrgicas brasileiras para acessar o mercado americano.


Na segunda-feira (10), o presidente dos EUA, Donald Trump, assinou um decreto anunciando tarifas de 25% para os aços importados pelo país, independentemente da origem. A medida não poupou nem México nem Canadá, que têm acordos de livre comércio com os americanos.


De início, o principal temor do setor e do governo brasileiros foi sobre o impacto das tarifas sobre as importações diretas pelos EUA de aço fundido no Brasil. Os americanos são, de longe, os maiores compradores externos das siderúrgicas instaladas no Brasil, e os brasileiros são o segundo maior exportador de aço para os EUA.


No entanto, desde o primeiro mandato de Trump, o Brasil está sujeito a um limite de exportações. Hoje, as siderúrgicas brasileiras podem vender, no máximo, 3,5 milhões de toneladas de aço semiacabado para os EUA –esse material é um produto intermediário na cadeia do aço e o principal produto comercializado com os americanos.


Em 2024 e 2023, os EUA registraram ter recebido 3,4 milhões e 3 milhões, respectivamente, de toneladas de aço semiacabado brasileiro. Os dados registrados pelo governo federal, porém, apontam quantidades muito maiores exportadas para os EUA: nesses dois anos, por exemplo, foram direcionadas para portos americanos 5,3 milhões e 6,6 milhões de toneladas de semiacabados.


Conforme a Folha de S.Paulo apurou, a diferença entre os valores divulgados é, na verdade, a quantidade de aço brasileiro enviado para portos americanos e direcionado, logo em seguida, para o México, sem passar pela alfândega dos EUA.


Nesse caso, principalmente as siderúrgicas multinacionais Ternium e ArcelorMittral, a última em menor escala, enviam o aço semiacabado brasileiro para suas subsidiárias mexicanas. Essa operação não é contabilizada pelo governo brasileiro, que considera que em 2024 e 2023 só foram exportadas para o México 320 mil e 440 mil toneladas de aço, respectivamente.


A Ternium, segundo uma fonte ouvida pela Folha, envia 80% das 4,5 milhões de placas produzidas em sua fábrica no Rio de Janeiro para o México, sendo que grande fatia faz escala em portos americanos. As placas chegam à planta mexicana da empresa próxima à fronteira com os EUA e lá são transformadas em produtos de aço com maior valor agregado.


Até o meio do ano passado, esse aço transformado a partir do semiacabado brasileiro era vendido aos Estados Unidos como aço mexicano –sem passar, portanto, pelas cotas determinadas à indústria brasileira e não sujeito a tarifas de importação, já que os mexicanos têm acordo de livre comércio com os americanos. A prática é legal e bastante comum em alguns mercados, segundo advogados especializados em comércio exterior.


Em julho, porém, o governo de Joe Biden determinou que a origem do produto deveria ser atribuída ao país onde o aço foi fundido. O foco era evitar que aço chinês entrasse nos EUA, mas também impactou empresas brasileiras, já que ainda que o aço tivesse sido transformado no México, ele continuaria sendo brasileiro e passaria a integrar as cotas estipuladas anteriormente.


Essa medida foi reforçada por Trump na segunda, e analistas apontam que a fiscalização ficará ainda mais rígida.


A partir da medida de Biden, segundo quem acompanha o mercado, essas empresas passaram a usar os semiacabados brasileiros para produzir produtos de aço para o próprio mercado mexicano. Já os semiacabados mexicanos eram transformados e enviados para os Estados Unidos e, assim, conseguiam entrar no país vizinho sem taxa de importação.


“A Ternium e a ArcelorMittal usam o aço do Brasil para o mercado interno [do México] e o mexicano para fabricar os produtos enviados aos EUA. O produto brasileiro também ia para lá, mas devido à taxação é melhor que ele vá para o mercado nacional, e as placas do México sejam usadas para transformar o aço que vai para os EUA”, diz Ildefonso Guajardo, ex-ministro da Economia do México responsável por negociar com os EUA no primeiro mandato de Trump.


Essa operação é tão lucrativa para as siderúrgicas que, nos últimos anos, elas anunciaram investimentos bilionários para ampliar suas produções no México.


A ArcelorMittal, por exemplo, concluiu, em 2022, a expansão de uma fábrica no município de Lázaro Cárdenas, capaz de produzir até 2,5 milhões de toneladas de aço laminado sendo parte feita, inclusive, a partir do semiacabado brasileiro. Já a Ternium tenta concluir um projeto no estado de Nuevo León para processar 2,2 milhões de toneladas de semiacabado nos próximos anos.


“A Ternium tem um projeto em expansão no México que será atendido com placas do Brasil e de outras origens. O objetivo é melhorar a sua posição competitiva no mercado mexicano e deslocar importações de produtos acabados”, afirma Artur Bontempo, analista de minério de ferro e aço na Wood Mackenzie.


As tarifas anunciadas por Trump, porém, colocam essa triangulação em risco, uma vez que o México também estará sujeito às taxas de 25%. Assim, se as tarifas provocarem diminuição nas vendas dos grupos siderúrgicos, eles precisarão ou diminuir a capacidade de produção de aço no México ou reduzir as exportações de semiacabados para o México, o que pode desencadear menor produção no parque fabril brasileiro.


A fábrica da Ternium no Rio de Janeiro emprega 8.000 pessoas, assim como as de placas da ArcelorMittal em Tubarão (ES) e Pecém (CE). Juntas, são capazes de produzir 15,5 milhões de toneladas de placas.


A ArcelorMittal, porém, afirmou à Folha de S.Paulo que a maior parte de sua produção no Brasil é direcionada ao mercado interno e que as taxações de Trump não ameaçam seus investimentos no país —a empresa também exporta mais de 1 milhão de toneladas para uma joint venture nos EUA.


A Ternium não divulga quanto da sua produção vai parar no México a partir dessa triangulação. Já a ArcelorMittal disse que exportou 456 mil toneladas de placas para o México em 2024 e 321 mil em 2023.

Para suas subsidiárias da empresa no México, no entanto, foram 50 mil em 2024 em 2023, segundo a siderúrgica, não houve vendas.


Fato é que o real impacto nessas empresas depende das negociações nas próximas semanas entre o governo americano e os principais exportadores de aço para os EUA, como Canadá, Brasil e México. Em tese, as tarifas só passam a valer a partir de 12 de março.


A esperança das empresas é que Trump corte as tarifas para seus vizinhos e volte a estabelecer cotas para o Brasil –nessa hipótese a triangulação dos grupos siderúrgicos se manteria. Mas se as tarifas se mantiverem para Canadá e México, o impacto também será grande, já que não haverá formas de injetar mais aço brasileiro na América do Norte.


“Ainda é tudo muito incerto, mas o que posso dizer é que acreditamos que o governo mexicano será muito pragmático para tentar evitar essas tarifas, assim como já evitou no passado”, diz Elijah Oliveros-Rosen, economista-chefe de mercados emergentes da S&P Global Ratings. “E, evitando, a discussão será sobre as regras de origem do aço, que é onde outros países podem ser impactados.”


Adam Green, sócio da World Steel Dynamics, consultoria focada no setor global de aço, sintetiza: “Ainda estamos muito nos estágios iniciais, mas se a história nos ensinou algo é que tudo é uma tática de negociação.”

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