Montanha na Nova Zelândia é reconhecida como pessoa e terá ‘cara e voz’

SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS)

Após quase uma década de negociação, o parlamento da Nova Zelândia aprovou a proposta para que o Monte Taranaki seja considerado como uma pessoa perante a lei. Considerada ancestral pelos povos originários locais e alvo de disputa entre os indígenas e a Coroa britânica, a montanha agora tem os mesmos direitos de um ser humano.

Assim como a Taranaki Maunga, outros dois locais geográficos têm o reconhecimento como pessoa na Nova Zelândia. O Parque Nacional Te Urewera e o rio Whanganui também possuem essa condição especial. O país foi o primeiro a reconhecer um elemento da natureza como uma pessoa.

Um projeto de lei de reparação histórico foi aprovado na Nova Zelândia na última semana. O texto aprovado por unanimidade concede formalmente personalidade jurídica à montanha Taranaki e reconhece queixas históricas do povo originário em relação à Coroa -o país é uma monarquia constitucional e um reino da Commonwealth- países com ligação com o Reino Unido.

O Projeto de Reparação Coletiva Taranaki Maunga (termo em Maori para “montanha”) levou nove anos para ser aprovado. Segundo o jornal local New Zealand Herald (NZH), centenas de descendentes dos povos de Taranaki reuniram-se no Parlamento para “testemunhar sua maunga ganhar personalidade jurídica”.

A lei aprovada confere a Taranaki Maunga todos os direitos, poderes, deveres e responsabilidades de uma pessoa. O projeto incorpora “todos os seus elementos físicos e metafísicos” da montanha. Um grupo formado por quatro membros dos povos Maori e quatro membros nomeados pelo Ministro da Conservação será “a cara e a voz” da montanha.

Na prática, os direitos legais da montanha são voltados para defender a saúde e o bem-estar da Taranaki Maunga. Conforme reportagem da rede norte-americana CNN, os direitos concedidos à montanha serão empregados para impedir eventuais vendas forçadas, restaurar os usos tradicionais do local e permitir trabalhos de conservação para proteger a vida selvagem nativa.

Conforme o NZH, o reconhecimento perante a justiça é uma vitória ao povo indígena. Agora, a montanha é como “um ser indivisível e vivo”, relata o portal. O projeto inclui o pico e as terras circundantes: o parque nacional no qual a montanha está localizada será renomeado para Te Papa-Kura-o-Taranaki. A gestão operacional do local continuará sendo realizada pelo Departamento de Conservação.

A IMPORTÂNCIA HISTÓRICA DA TARANAKI MAUNGA

A montanha tem um forte papel na vivência dos povos indígenas da Nova Zelândia. Durante discurso no Parlamento sobre o processo, o Ministro das Negociações do Tratado, Paul Goldsmith, afirmou que a Taranaki Maunga tem sido um “ancestral honrado, uma fonte de sustento físico, cultural e espiritual e um local de descanso final” aos habitantes locais. Ao longo dos séculos a região foi disputada entre os povos e a Coroa britânica.

O Tratado de Waitangi, assinado em 1840, é o documento fundador da Nova Zelândia e no qual a Coroa garantiu que os Maori manteriam os direitos às suas terras e recursos. Porém, depois que os colonos europeus se estabeleceram na área à época, a Coroa começou a comprar terras na região de Taranaki, segundo o NHZ.

À época, as terras Maori eram propriedade comunitária de múltiplas pessoas. A Coroa, no entanto, passou a adquirir terras de indivíduos ou de grupos locais, muitas vezes sem o consentimento ou o conhecimento dos principais líderes ou da comunidade em geral.

Em 1860, a Coroa usou forças militares para concluir a compra de terras em Waitara. A medida gerou guerras entre a Coroa e os Maori. Anos mais tarde, a Coroa confiscou quase 5 quilômetros quadrados de terras Taranaki, território que inclui a montanha de mesmo nome.

Na audiência que aprovou o projeto de lei, Goldsmith, reconheceu formalmente o “dano imensurável” do passado. “Hoje é um dia histórico para nga iwi o Taranaki [os povos de Taranaki]”, disse na Câmara.

“As violações do Tratado por parte da Coroa significam que danos imensos e agravados foram infligidos aos whanau, hapu e iwi [descendentes, extensões de famílias e povos] de Taranaki, causando danos imensuráveis ao longo de muitas décadas”, disse Paul Goldsmith.

As medidas de reparação histórica ainda não terminaram. Goldsmith apresentará um pedido formal de desculpas ao povo Taranaki no futuro, informou o jornal.

Atuamente, a Taranaki Maunga é um local popular para turismo, caminhadas e esportes de neve. Com 2.518 metros de altura, o vulcão adormecido é o segundo ponto mais alto da Ilha Norte. As mudanças recentes não alteram a funcionalidade do local, que seguirá aberto aos visitantes.

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