Eduardo Bolsonaro acusa sem provas ONGs e Usaid de interferir em eleição e defende CPI

VICTÓRIA PACHECO E GABRIELA CASEFF
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Acusação de Eduardo Bolsonaro de que organizações brasileiras teriam recebido dinheiro da Usaid (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional) para influenciar as eleições de 2022 é falsa, dizem entidades citadas por ele.

Na última terça-feira (4), o deputado federal afirmou em suas redes sociais que a Usaid, sob a administração Biden, financiou “ONGs, veículos de mídia e movimentos políticos com o objetivo de moldar narrativas e interferir na democracia brasileira”.

A publicação aconteceu depois que Michael Benz, ex-funcionário do Departamento de Estado dos Estados Unidos, declarou em entrevista que “se a Usaid não existisse, Bolsonaro ainda seria presidente do Brasil”.

Eduardo Bolsonaro (PL-SP) diz que a agência destinou US$ 680 mil à Cáritas Brasileira e repassou recursos por meio de intermediários, como o Centro Internacional de Jornalistas (ICFJ). Entre os beneficiários estariam Sleeping Giants Brasil, Alma Preta e Agência Lupa. Ele também acusou o Instituto Vero, de Felipe Neto, de receber US$ 30 mil da Embaixada dos Estados Unidos.

A acusação se originou de uma distorção de fatos sobre o projeto Jogo Limpo, programa do ICFJ que apoia jornalistas brasileiros no desenvolvimento de projetos de combate à desinformação.

Em 2023, a iniciativa selecionou nove projetos, incluindo três citados pelo deputado, para receber até US$ 13.750, com financiamento do YouTube Brasil, segundo o ICFJ.

Entre aqueles apoiados estava uma campanha da Alma Preta, em parceria com o Sleeping Giants Brasil, que coletou denúncias de fake news direcionadas a pessoas negras.

Outro projeto contemplado foi um mapeamento da Agência Lupa de publicações falsas sobre os atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023.

O ICFJ já colaborou com a Usaid em projetos como a criação de um guia de orientações para jornalistas na fronteira dos EUA com o México, conforme informado no site da organização. No entanto, o programa a que Eduardo Bolsonaro faz alusão não tem ligação direta com a agência.

Procurada pela reportagem, a agência de jornalismo Alma Preta diz que “as acusações [do deputado] são falsas, e a Alma Preta não tem nenhuma relação com a agência norte-americana citada”.

O Sleeping Giants Brasil também classifica como falsa a alegação do deputado. “Nunca recebemos recursos da Usaid ou de qualquer outro órgão do governo norte-americano, seja direta ou indiretamente”, diz.

A Agência Lupa afirmou que “nunca recebeu recursos diretamente da Usaid e não tem qualquer relação com a organização”. E acrescenta que, em 2023, contou com apoio financeiro do ICFJ, assim como de outras instituições nacionais e internacionais. O valor repassado pelo ICFJ representou 2,9% de sua receita naquele ano.

“Todo o nosso trabalho é baseado em metodologia de checagem, verificação e investigação sobre desinformação, certificada anualmente pela International Fact-checking Network, e segue os mais altos padrões de transparência, apartidarismo e correção”, disse a agência.

Em publicação na rede social X nesta quarta-feira (5), o youtuber Felipe Neto negou que o Instituto Vero, braço de seu instituto, tenha recebido recursos do governo americano.

“O Instituto Felipe Neto é uma organização sem lucro, que não gera dinheiro algum para mim, muito pelo contrário. Eu já coloquei milhões e milhões de reais para fundar e garantir a existência do instituto que atua principalmente na área de saúde mental de crianças e adolescentes de escolas públicas”, disse ele.

De acordo com o influenciador, o único projeto da entidade que recebeu apoio da Embaixada dos Estados Unidos foi uma iniciativa de educação midiática em parceria com a Fundação Amazônia Sustentável. O financiamento, no valor de US$ 24.965, teria sido obtido por meio de edital público.

Já a Cáritas Brasileira, organismo social da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, afirma receber apoio de “organizações, organismos e agências de cooperação internacional” e “doações espontâneas”, de modo que “todo o valor recebido é aplicado nas ações da organização”.

“Os recursos passam por processos de prestação de contas, relatorias fiscais e auditoria. A Cáritas Brasileira é uma organização séria, com 68 anos de atuação no país”, destacou a entidade.

A Usaid, que teve seu site retirado do ar e restabelecido na terça-feira (4) com uma mensagem de despedida, já esteve na mira da família Bolsonaro antes.

Em 2024, o vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ) apresentou projeto de lei, que não foi aprovado, propondo considerar a agência “persona non grata” na cidade do Rio de Janeiro, junto a organizações como Greenpeace Brasil, WWF (sigla em inglês para Fundo Mundial para a Natureza) e Instituto Socioambiental.

Os deputados Eduardo Bolsonaro e Gustavo Gayer (PL-GO) estão coletando assinaturas para a instalação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar a suposta interferência da Usaid nas eleições brasileiras de 2022.

Até o momento, segundo publicação de Gayer em suas redes sociais nesta quarta-feira (5), foram coletadas 70 assinaturas. Para instalar uma CPI na Câmara dos Deputados, é preciso ter pelo menos 171 assinaturas (um terço do total de membros da casa).

O requerimento de instalação da CPI menciona que as motivações para criá-la são “a possível utilização dos recursos [da Usaid] para interferir em processos eleitorais, estabelecer censura, regular as redes sociais, promover debates políticos direcionados e atuar na construção de narrativas midiáticas que favoreçam agendas políticas”.

Entre os deputados que assinam estão Nikolas Ferreira (PL-MG), Carlos Jordy (PL-RJ), Mario Frias (PL-SP), Pastor Marco Feliciano (PL-SP), Marcel van Hattem (Novo-RS), Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP), Kim Kataguiri (União-SP), Bia Kicis (PL-DF), Osmar Terra (MDB-RS), Ricardo Salles (Novo-SP) e Sóstenes Cavalcante (PL-RJ).

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