América Latina, entre a China e os Estados Unidos, agora com Donald Trump

(Foto: Kaboompics.com/Pexels.com)

2025 é um ano que promete ser turbulento, porque além de muitas outras preocupações, vem aí a política comercial agressiva dos Estados Unidos da América do Norte. A China é o principal alvo do atual presidente dos Estados Unidos. É um alvo que hoje dispõe de bastante inserção na América Latina. A disputa dos impostos terá repercussões que vão muito além do comércio.

Donald Trump anunciou durante a campanha presidencial norte-americana que, se fosse eleito, China, México, Europa e todos os outros países iriam prestar contas com os EUA, que corrigiriam o desequilíbrio comercial aumentando barreiras tarifárias. Ele foi eleito. E confirmou o retorno triunfal do protecionismo, para a preocupação de todos aqueles que se sentem visados.  Há quem tenha decidido engolir a sopa “Trumpiana” com uma careta.

Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu, é uma delas. Ela recomendou uma capitulação preventiva, sem quaisquer medidas retaliatórias e aconselhando a compra de mais produtos norte-americanos. Há também os ideólogos cegos, como o chefe de Estado argentino, Javier Milei. Defensor radical do ultraliberalismo, ainda assim, por mais incompatível que seja essa sua reação, aplaudiu a vitória de Donald Trump e, com ela, as mudanças tarifárias dos Estados Unidos que foram anunciadas por seu “amigo”. Claudia Sheinbaum, chefe de Estado do México, advertiu que revidará qualquer decisão tomada por Washington contra os interesses mexicanos. Esse recado se estendeu também ao Canadá, cujo primeiro-ministro Justin Trudeau.

A China, principal alvo de Donald Trump, já disparou uma série de contra-ataques. Eles foram recebidos com interesse na América Latina, a vítima colateral dessa queda de braço entre Washington e Pequim. O presidente chinês, Xi Jin Ping, fez um tour amigável em novembro de 2024 por vários países. Participou, no Peru, da cúpula da APEC (Cooperação Econômica Ásia-Pacífico), organização dedicada a melhorar o comércio entre os países que fazem fronteira com o Pacífico. Alguns dias depois, participou, no Brasil, do G20 no Rio de Janeiro. Essas duas reuniões foram precedidas, em Kazan, na Rússia, de uma cúpula do BRICS. O presidente chinês teve a oportunidade de afinar seu violino com os de vários governantes presentes nas cúpulas da APEC e do G20: Brasil, Chile, Estados Unidos, Índia, Indonésia, Japão, México e Rússia.

Essa diplomacia presencial e influente, que evita quaisquer a priori ideológicos, permitiu que a China consolidasse os vínculos bilaterais e a rede de acordos com muitos países latino-americanos. Entre eles está o Brasil, mas também – e isso foi uma surpresa –, a Argentina de Javier Milei, crítico ferrenho e feroz do comunismo e da economia regulada pelo Estado.

Javier Milei fez uma campanha eleitoral em 2023 denunciando a economia planificada e o comunismo, especialmente o comunismo chinês, com discursos liberais. Sem entrar na polêmica, os chineses lembraram sutilmente que eram os principais clientes do agronegócio argentino. A mensagem chegou clara. Javier Milei engoliu suas diatribes ideológicas e voluntariosas prontamente e concordou em se encontrar com seu homólogo chinês. Os grandes proprietários de terras de soja, os apoiadores materiais de sua campanha, fizeram-no entender que manter relações comerciais com a China moderna não tem nada a ver com a China do livrinho vermelho.

Quase todos os outros países latino-americanos estão na mesma sintonia. Ignorando os riscos de primarização de suas economias, oferecem às autoridades de Pequim oportunidades de comprar suas matérias-primas agrícolas, energéticas e minerais.

O Brasil está ciente dos riscos dessas ameaças, cujos efeitos diretos pôde medir durante o primeiro mandato de Donald Trump. Brasília confirmou seu compromisso como membro fundador do grupo BRICS. A ex-presidente Dilma Rousseff, desde 2023 chefia o Banco BRICS, o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), em Xangai. A China se tornou o maior parceiro comercial do Brasil nos últimos anos, comprando a maior parte de sua soja, carne, café e ferro. Carlos Favaro, ministro da Agricultura brasileira, acredita que o protecionismo anunciado por Trump pode abrir novas oportunidades.

Aloizio Mercadante, presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), confirmou e ampliou essa afirmação: “Não tenho nada contra o lema de Trump ´os Estados Unidos, primeiro´, mas aí nós também teremos de adotar lema semelhante, ´o Brasil, primeiro´”. Sem esperar pelas primeiras decisões de Donald Trump, o presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, Apex, fez uma visita de trabalho à China. Ainda que o Brasil tenha descartado, depois de considerar a possibilidade, a ideia de aderir à “Rota da Seda”, os volumes de comércio continuam mais altos do que nunca.

Lula, no dia seguinte ao G20, recebeu, excepcionalmente, Xi Jin Ping em sua residência no Alvorada. Na ocasião, os dois presidentes reiteraram sua crença no multilateralismo e na cooperação internacional. 37 acordos foram assinados pelos dois presidentes ao final da visita.  Durante uma reunião entre agentes econômicos dos dois países, o Tesouro Nacional brasileiro anunciou sua intenção de emitir títulos cambiais em yuan.

A China e suas empresas têm estado recentemente muito ativas de norte a sul do subcontinente: a CBC assinou um contrato com a Bolívia formalizando a construção, por essa empresa, de duas usinas de carbonato de lítio; a Yutong, fabricante de veículos elétricos, entrou no mercado chileno em 2024; a China a partir deste ano aumentará significativamente suas importações de bananas equatorianas; a Nicarágua e a China abriram novamente uma rota marítima direta, participando do projeto de extensão da Rota da Seda.

Independentemente da orientação política de seu governo, o Peru continua sendo um dos parceiros estratégicos de Pequim na região. Dina Boluarte, sua presidente, foi recebida em junho de 2024 pelo presidente chinês. Como vimos, Xi Jin Ping liderou a delegação chinesa que participou da cúpula da APEC realizada em Lima, em novembro. Como cereja do bolo, o chefe de estado chinês esteve pessoalmente presente na inauguração do “megaporto” de Chancay, construído pela empresa chinesa “Cosco Shipping Ports Chancay”.

 Moral da história é que, longe de provocar uma reação fatalista, derrotista de aceitação do inevitável, fora da Europa e da Argentina, as ameaças comerciais de Donald Trump provocaram antes um número crescente de respostas preventivas. Um anúncio publicado pelas autoridades chinesas no jornal brasileiro O Globo, em 18 de novembro de 2024, trazia a manchete: “As relações comerciais com a região continuam a prosperar”.

Texto publicado originalmente em francês em 03 de dezembro de 2024 no site Nouveaux Espaces Latinos, Paris/França, com o título original: “Amérique latine, entre la Chine et les États-Unis et l’arrivée au pouvoir de Donald Trump”. Disponível em: https://www.espaces-latinos.org/archives/124050. Tradução de Paul Fernand da Cunha Leite e Luzmara Curcino.

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Jean Jacques Kourliandsky é Diretor do “Observatório da América Latina” junto à Fundação Jean Jaurès, na França, especialista em análise conjuntural geopolítica da América Latina e Caribe. É autor, entre outros, do livro “Amérique Latine: Insubordinations émergentes” (2014). Colabora frequentemente com o “Observatório da Imprensa”, no Brasil, em parceria com o Laboratório de Estudos do Discurso (LABOR) e com o Laboratório de Estudos da Leitura (LIRE), ambos com sede na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

 

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