O “truco” do Trump

Trump conversou com o primeiro-ministro de IsraelAFP

Até mesmo quem acompanha atentamente o desenrolar dos acontecimentos no Oriente Médio não previu – nem mesmo sonhou com –  a atual proposta do presidente Donald Trump: com a maior calma do mundo, ele anunciou na última terça-feira que os Estados Unidos tomarão Gaza para si e enviarão seu milhão e tanto de residentes para algum outro país do mundo. 

Segundo ele, os palestinos receberão um “pedaço de terra bonito, novo e bom” para viver. “Ouvi dizer que Gaza foi um lugar que não lhes trouxe sorte. Eles vivem ali como em um inferno. Gaza não é um lugar para se viver e acredito que os moradores que dizem querer voltar para suas casas o fazem porque não têm alternativa”, disse Trump. “O que eles têm lá? Só uma montanha de destroços”, disse Trump.

A cara de felicidade meio abobalhada do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, presente no anúncio de Trump, deixou claro que mesmo ele mal podia acreditar no que ouvia. 

Qual o plano?

É difícil imaginar até mesmo como se daria a transferência dessa população para qualquer um dos países que estão sendo citados como candidatos a anfitriões, entre eles o Azerbaijão, o Marrocos e a Indonésia. Tudo indica que, após a veemente recusa da Jordânia e do Egito, a equipe de Trump está sondando opções em diferentes continentes. Foi anunciado que um plano detalhado será apresentado em quatro semanas.

Trump e outros magnatas do setor imobiliário – como o próprio enviado americano ao Oriente Médio, Steve Witkoff – vislumbram ali o que o presidente chamou de “Riviera do Oriente Médio”. Esse aspecto econômico, mais importante do que se imagina, inspirou um sem-número de memes.

Os israelenses reagiram ao anúncio com absoluta surpresa e, como sempre, opiniões divididas. Por isso, os comentaristas políticos em Israel são unânimes ao dizer que torcem para que a sociedade israelense consiga manter-se calma e (o quanto possível) calada – e esperar para ver como o plano evolui. Vale lembrar que a única coisa com a qual praticamente 100% da população israelense concorda é ser impensável permitir que o Hamas mantenha-se no poder em Gaza.

Claro que a ideia de Trump é polêmica. Mais do que isso, é difícil imaginá-la sendo colocada em prática. No entanto, seus apontamentos são coerentes. Afinal, desde 2007 (dois anos depois que Israel retirou-se unilateralmente da Faixa de Gaza) o território é comandado com mão de ferro pelo Hamas, um grupo terrorista que não apenas aterroriza os israelenses, mas também sua própria população. Nesses quase 20 anos, o Hamas provocou várias guerras contra Israel e usou a ajuda humanitária bilionária que recebe por meio da ONU para criar um ecossistema de terror e enriquecer seus dirigentes, enquanto seus cidadãos permanecem na pobreza. 

Por fim, é preciso admitir: os palestinos simplesmente não conseguiram constituir uma nação. Desde 1947, recusaram todas as propostas da divisão do território então conhecido como Palestina, o qual era à época habitado por judeus e árabes. Décadas depois, receberam autonomia em parte da Cisjordânia e total governança sobre a Faixa de Gaza; e, nelas, não conseguiram gerar iniciativas que garantissem a mínima estabilidade política e econômica.

Como escreveu o analista inglês Jonathan Sacerdoti, o anúncio de Trump “foi incrível porque apresentou verdades notáveis que por décadas nunca foram declaradas em alto tom. Como essas verdades serão traduzidas em ação ainda não se sabe, mas esse é um momento histórico”.

E nossos reféns?

O momento é histórico sim, sem dúvida. No entanto, no meio disso tudo, me pergunto sobre os reféns israelenses que ainda estão prisioneiros em Gaza – onde eles foram parar nessa história toda? Torço, surpresa com minha própria inocência e otimismo, que nos próximos dias o Hamas apareça com todos eles nas nossas fronteiras, pronto para devolvê-los em troca de uma conversinha amigável com Donald Trump.

E, se isso acontecer, talvez cheguemos à conclusão que assistimos um bem-sucedido pedido de “truco” do presidente, que finalmente trará os nossos para casa.

OBS: Pedir truco é solicitar um aumento da aposta no jogo de cartas com o mesmo nome.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.