Como o Grammy pode enfim coroar Beyoncé em rixa com Taylor Swift e Billie Eilish

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LUCAS BRÊDA E GUILHERME LUIS
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Há 15 anos, Beyoncé e Taylor Swift concorreram pela única vez ao prêmio de melhor álbum, o mais prestigiado do Grammy. A cantora do Texas tinha 29 anos e havia lançado seu terceiro disco, o “I Am Sasha Fierce”, puxado pelo sucesso de “Single Ladies”, enquanto a artista da Pensilvânia tinha apenas 20 e faturou o troféu com “Fearless”, seu segundo álbum, que mescla pop e country.

No próximo Grammy, que acontece neste domingo (2), primeiro grande evento da indústria de entretenimento a ocorrer em Los Angeles após os incêndios florestais, as duas artistas voltam a se enfrentar na principal honraria da noite, mas em condições bastante diferentes.

Maior vencedora da história da premiação, com 32 troféus, Beyoncé ganhou a maioria deles em categorias setorizadas, dedicadas a gêneros musicais específicos. Neste ano ela concorre a álbum do ano, a principal estatueta, que nunca levou, com o “Cowboy Carter”, seu primeiro projeto dedicado ao country.

Já Swift, uma gigante do Grammy, busca com o “The Tortured Poets Department” ter pela quinta vez o mesmo troféu. A artista é a maior vencedora de álbum do ano, tendo sido laureada em 2010, 2016, 2021 e no ano passado.

O embate delas pelo prêmio tem este ano ainda uma terceira concorrente, a cantora Billie Eilish, que lançou no ano passado o disco “Hit Me Hard and Soft”, com o qual apaixonou a crítica e fez um dos maiores hits do ano.

É de se imaginar que Swift e Eilish -duas queridinhas do Grammy, artistas brancas num prêmio reiteradamente acusado de ter viés racista- saiam na frente pela simpatia dos jurados. Mas o contexto nunca esteve tão favorável para Beyoncé.

Isso porque seu “Cowboy Carter” mescla ritmos caros à indústria americana, R&B, pop de violão e, principalmente, o country, gênero muito atrelado à fatia mais branca, rural e conservadora dos Estados Unidos -onde, aliás, se concentram a maioria dos eleitores do presidente Donald Trump, contra o qual as três artistas fizeram campanha.

Apesar de ser contra o presidente, Beyoncé nunca dialogou tão explicitamente com essa América branca, nem jogou tão claramente o jogo do Grammy.

E a premiação sabe de sua dívida com Beyoncé. No ano passado, em discurso no palco da premiação, o rapper Jay-Z, marido da cantora, criticou o evento por nunca ter contemplado ela com o álbum do ano.

Além de Swift, Beyoncé perdeu essa estatueta em 2023 para Harry Styles, em 2017 para Adele, que afirmou no palco que aquele prêmio deveria ser da rival, e três anos antes para o cantor Beck.

“Maior número de Grammy vencidos [na história], e ela nunca levou a categoria de álbum do ano. Como pode isso?”, reclamou Jay-Z. Na hora, Beyoncé fez cara de paisagem.

Se levar desta vez, a artista será a quarta mulher negra a ter o gramofone de melhor álbum em 67 edições do evento, após Natalie Cole, Whitney Houston e Lauryn Hill terem saído vencedoras ao longo dos anos 1990 -e décadas após Ella Fitzgerald se tornar a primeira mulher indicada à categoria, em 1959.

Beyoncé tem ainda a seu favor ainda o fato de Swift concorrer com um disco elogiado, mas não aclamado pela crítica, um dos que mais dividiu seus fãs, e que não furou a bolha, sem emplacar um hit de grandes proporções.

Assim, Billie Eilish surge como grande rival ao country da cantora texana, com seu “Hit Me Hard and Soft”, que sagrou a jovem de 23 anos como uma das artistas mais desejadas do pop recente. Cinco anos após levar de lavada os quatro troféus principais do Grammy com seu álbum de estreia, Eilish volta à premiação com uma obra considerada mais madura, refinada e com a mistura adequada de conceito e sucesso comercial, uma receita apreciada pelos votantes.

Foi de Eilish a canção mais tocada no Spotify no ano passado, “Birds of a Feather”, que explodiu nas rádios e viralizou no TikTok -por cima de uma melodia feliz, ela canta sobre amor com morbidez. A faixa concorre nas categorias de performance pop solo, gravação e canção do ano, que premia os compositores, e na qual é tida como favorita.

O “Hit Me Hard and Soft” foi o segundo álbum mais vendido do primeiro semestre do ano passado, segundo a empresa Luminate -no ranking, Swift aparece em primeiro, e Beyoncé em terceiro.
Eilish conseguiu aumentar seu contingente de fãs no ano passado porque cantou pela primeira vez de forma explícita sobre gostar de garotas. Em “Lunch”, ela fala do apetite que tem por uma moça e que “poderia comer ela no almoço”, como canta no refrão.

Seus shows ficaram dominados por meninas jovens e LGBTQIA+, que copiam os looks de Eilish com bermudas largas, bonés para trás, moletons e camisetas de times. A artista aproveitou a onda e lançou depois “Guess”, uma parceria com a cantora Charli XCX -no clipe, as duas se esfregam e dançam sobre uma montanha de calcinhas.

Charli é também uma das estrelas deste Grammy. Outra forte competidora na categoria de álbum do ano, não seria surpresa se seu “Brat” saísse pela tangente e vencesse o troféu principal da noite.

O álbum chacoalhou a música pop no ano passado, tendo feito uma ode à pista de dança forjada em sonoridades tanto doces quanto esquisitas permeadas por letras sobre vulnerabilidade. Se o Grammy decidir premiar o que há de mais influente e arrojado na indústria fonográfica, certamente dará algumas de suas honrarias principais à cantora britânica. Ela foi indicada em oito categorias.

O problema é que Charli corre o risco de estar à frente demais tanto de seus concorrentes quanto da própria premiação. “Brat”, que significa algo como criança rebelde, foi um acontecimento para o mundo pop, mas é uma obra também muito fora das tradições que o Grammy preza.

É mais fácil enxergar alguém como Chappell Roan roubando a cena. Indicada pelo seu disco “The Rise and Fall of a Midwest Princess”, ela ganhou enorme projeção este ano, com um pop redondo e mais familiar que, curiosamente, também versa sobre romances lésbicos.

Roan protagoniza outra das disputas mais comentadas deste ano, a de artista revelação. Sua principal rival é Sabrina Carpenter, que também é uma das protagonistas desta edição do prêmio.
Voz de “Espresso”, o hit mais chiclete do ano, Carpenter finalmente deslanchou sua carreira de dez anos com o disco “Short n’ Sweet”, que traz um pop sexy e envolvente nos sucessos “Taste” e “Please Please Please”, esta indicada ao troféu de canção do ano.

Apesar de antiga na indústria, a americana pode ser indicada a revelação porque ganhou uma projeção fora do comum no ano que passou, segundo as regras da premiação.
Carpenter é da mesma geração de Olivia Rodrigo e pode seguir o caminho dela, um dos destaques das últimas edições do Grammy, e vencedora do troféu de revelação há três anos. Essa categoria, uma das quatro principais da premiação -além de álbum, músico e gravação do ano-, tem ainda a rapper Doechii, que vem fazendo barulho nos últimos meses.

Na categoria principal, de álbum do ano, menos alardeados estão os artistas Jacob Collier, com “Djesse Vol. 4”, e a indicação mais surpreendente do ano -“New Blue Sun,” disco de André 3000 em que ele explora a flauta.

Collier é um multi-instrumentista, vertente que costuma agradar aos votantes do Grammy, mais afeitos a validar músicas com instrumentos tocados e performances virtuosas, em detrimento da produção eletrônica. São as mesmas razões que podem contar contra o barulhento “Brat” de Charli XCX.

O rapper, ex-integrante do grupo Outkast, deu um cavalo de pau na carreira quando decidiu gravar um álbum todo improvisado e dedicado aos sons da flauta, instrumento ao qual vinha se dedicando nos últimos anos. O resultado em nada lembra o rap dos anos 2000 e representa uma das indicações mais improváveis ao Grammy dos últimos anos.

Mas os olhos dos brasileiros estarão voltados para Anitta, ainda mais em tempos de orgulho nacional nas premiações americanas, dado o reconhecimento recente de Fernanda Torres e do filme “Ainda Estou Aqui” em Hollywood.

A cantora do Rio de Janeiro volta a concorrer na cerimônia, mas agora na categoria de melhor álbum pop latino, depois de perder o prêmio de artista revelação para a tradicionalista do jazz Samara Joy há dois anos.

Anitta concorre com Shakira, com “Las Mujeres Ya No Lloran”, e Kali Uchis, com “Orquídeas”, as favoritas, além de Luis Fonsi, com “El Viaje”, e Kany García, com “García”. Ganhando ou não, desta vez ela chega à premiação com um ritmo brasileiríssimo, com o seu “Funk Generation”, disco que usa elementos clássicos e atuais do funk para construir um retrato do Brasil no exterior.

A mera presença de Anitta na premiação com este disco já representa muito para a música do país, em termos de reconhecimento internacional. Se há dois anos ela chegou lá com um álbum -“Versions of Me”, de 2022- calcado no reggaeton e emulando o pop americano, agora ela leva a sua cara, de sua cidade e país.

Além dela, o país também surge indicado em prêmios de jazz, com Milton Nascimento, Hamilton de Holanda e Eliane Elias. O cantor mineiro disputa o melhor álbum de jazz vocal com o disco “Milton + Esperanza”, que fez em parceria com a cantora e baixista americana Esperanza Spalding.

Os outros dois brasileiros disputam uma mesma categoria, a de melhor álbum de jazz latino. Eliane Elias, pianista paulistana que já venceu dois prêmios Grammy no passado, além de outros dois na versão latina da premiação, está na lista de indicados ao lado de Hamilton de Holanda.

Em paralelo, como costuma acontecer, os artistas em destaque no prêmio de álbum do ano devem também dominar as disputas nas outras categorias. A eles somam-se os Beatles, que voltam a concorrer a um Grammy, em gravação do ano, pela música “Now and Then”, e Lady Gaga com Bruno Mars, que tentam levar a música do ano com a canção em parceria “Die With a Smile”, uma das mais tocadas no ano passado.

No caso dos Beatles, a influente obra da banda pode pesar em seu favor, assim como a nostalgia puxada pela voz de John Lennon. O cantor, assassinado em 1980, ressurge na música, que recuperou com a ajuda de inteligência artificial o áudio original gravado por ele.

E foi por pouco que os Beatles não voltaram a enfrentar os contemporâneos Rolling Stones numa premiação. A faixa do Fab Four concorre em melhor performance de rock, que poderia ter como indicada uma música de “Hackney Diamonds”, disco mais recente da banda de Mick Jagger, que aparece na disputa por melhor álbum de rock. Pearl Jam, Green Day e Idles aparecem na disputa dessas duas categorias roqueiras.

Kendrick Lamar, cujo novo álbum, “GNX”, só pode ser indicado no ano que vem, está na briga desta edição com o hit “Not Like Us” em gravação e canção do ano. O rapper, aliás, foi um dos artistas com mais indicações neste ano, com sete -contra as seis de Swift, e 11 de Beyoncé, artista mais indicada de todos os tempos.

Um Grammy coroaria o ano especial de Kendrick, que bateu Drake em uma verdadeira guerra de rimas e batidas ao longo de meses. Essa rixa foi encapsulada em “Not Like Us”, já um clássico contemporâneo do hip-hop, que recoloca a Costa Oeste dos Estados Unidos no centro do rap feito no país.

A premiação em si tem ainda um peso histórico por ser o primeiro grande evento após o fogo que destruiu bairros inteiros de Los Angeles e causou 28 mortes. Conforme os incêndios cresciam, diversos eventos e anúncios da indústria de cinema e televisão foram adiados ou cancelados, o que afetou também algumas cerimônias preliminares do Grammy.

Mas a Recording Academy e seu presidente, Harvey Mason Jr., responsáveis pelo evento, mantiveram a data marcada, apostando que, até o início de fevereiro, o fogo estaria controlado. Nos bastidores, Mason teria sofrido pressão de gigantes do mercado para adiar a cerimônia, temendo uma crise de relações públicas para a empresa e seus artistas.

Mas o CEO, que diz ter consultado o governo para continuar com o show, apelou para a comoção após a tragédia. “Precisávamos arrecadar dinheiro. Precisávamos mostrar união e nos unir em torno da música. Precisamos apoiar a cidade de Los Angeles”, disse à imprensa.

A Recording Academy e sua instituição de caridade afiliada, a MusiCares, dizem já ter distribuído US$ 3,9 milhões em auxílio emergencial na região.

O Grammy promete ainda homenagear os bombeiros e socorristas ao longo da cerimônia, com a apresentação de Trevor Noah, shows e discursos dos artistas. Ainda assim, para os executivos da premiação, a protagonista da noite ainda é a indústria musical. “É uma arrecadação de fundos, não um Teleton”, disse Mason.

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