Senado e Câmara renovam comando empoderados e em clima de ‘já ganhou’

cartaz hugo

RANIER BRAGON, VICTORIA AZEVEDO, THAÍSA OLIVEIRA e RAPHAEL DDI CUNTO
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)

O Senado e a Câmara dos Deputados iniciam os trabalhos de 2025 neste sábado (1º) com o amplo favoritismo do senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) e do deputado federal Hugo Motta (Republicanos-PB) na eleição das presidências das duas Casas, cenário duplo de “já ganhou” que não ocorria desde 2003.

O aparente céu de brigadeiro no trajeto dos dois candidatos à sucessão de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) no Senado e Arthur Lira (PP-AL) na Câmara demonstra o poder dos partidos de centro-direita e de direita na Câmara, que conseguiram unir em torno de si um amplo leque de apoio, do PT de Lula ao PL de Jair Bolsonaro.

Mostra também, com o papel de coadjuvante do Executivo, a sedimentação do fortalecimento do Congresso iniciada em 2015.

A eleição para o comando do Senado começará pela manhã, às 10h. Alcolumbre —que já presidiu a Casa de 2019 a 2021—, terá como concorrentes, caso nenhum deles desista, os senadores Astronauta Marcos Pontes (PL-SP), Soraya Thronicke (Podemos-MS), Marcos do Val (Podemos-ES) e Eduardo Girão (Novo-CE).

A eleição na Câmara está marcada para começar à tarde, às 16h, com Hugo Motta enfrentando os azarões Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ) e Marcel van Hattem (Novo-RS). O mandato é de dois anos.

Caso o favoritismo se confirme, será mais uma vitória do centrão e das demais legendas de centro e de direita, grupo por ora hegemônico e que tem deixado tanto a esquerda como a oposição bolsonarista restrita às franjas do Legislativo.

A última vez em que as eleições no Congresso transcorreram com favoritismo amplo foi em 2003, primeiro ano do primeiro governo de Lula, com João Paulo Cunha (PT) na Câmara e José Sarney (PMDB) no Senado.

As eleições no Senado sempre foram vencidas por políticos centro-direitistas, desde a redemocratização. Na Câmara, as duas primeiras gestões de Lula (2003-2010) e a primeira de Dilma Rousseff (2011-2014) conseguiram emplacar quatro presidentes de esquerda, sendo três do PT.

A última vez que a esquerda comandou a Casa, porém, foi no biênio 2011-2013, com Marco Maia (PT-RS). Em 2015, já no início de seu segundo mandato, Dilma trabalhou para colocar o petista Arlindo Chinaglia (SP) novamente na presidência da Câmara, mas aí aconteceu o marco que encerrou as gestões de esquerda e que impulsionou o até aquele momento incipiente empoderamento do Congresso.

Eduardo Cunha (então no PMDB), que havia recriado cerca de um ano antes o centrão, derrotou Chinaglia no primeiro turno e se tornou presidente da Câmara. Muito sob sua batuta, o impeachment de Dilma seria sacramentado em 2016.

A principal mudança que levou ao empoderamento do Congresso nesse período foi a aprovação da execução obrigatória da maior parte das emendas parlamentares, além da multiplicação de seu valor.

Antes, governos montavam suas bases e garantiam a fidelidade de deputados e senadores muito em função da gestão das emendas ao Orçamento —represando a liberação das verbas de infiéis e oposicionistas, por exemplo.

A fragilidade política do Executivo no segundo mandato de Dilma e nos de Michel Temer (2016-2018) e Bolsonaro (2019-2022) possibilitou ao Congresso obrigar a execução das emendas e vitaminar em valores nunca antes vistos o que é hoje seu principal mecanismo político.

Em 2015, cada deputado e senador tinha sob seu controle R$ 16 milhões em emendas, e o governo tinha o poder de não pagar nenhum centavo, se quisesse.

Após essa data e ano a ano, a impositividade das emendas foi crescendo, assim como o valor.

Em 2024, cada deputado teve ao menos R$ 38 milhões e cada senador, R$ 70 milhões. Além desse montante, há as emendas coletivas, gerenciadas pela cúpula das bancadas e do Congresso. No total, o Congresso manda em mais de R$ 50 bilhões ao ano —mais de R$ 135 milhões por dia, em média.

Esse será, inclusive, um tema prioritário a ser tratados por Alcolumbre e Hugo Motta, já que o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Flávio Dino bloqueou parte da execução das chamadas emendas de comissão (as únicas cuja execução não é obrigatória), cobrando mais transparência e fiscalização.

As emendas também têm um longo histórico de corrupção e são atualmente alvo de investigações da Polícia Federal —o que tem deixado parlamentares apreensivos, em mais um ingrediente de tensionamento do Congresso com o Judiciário e com o Executivo, a quem a PF está subordinada.

Do ponto de vista de projetos, há um buraco negro sobre o que deve ser a prioridade de deputados e senadores, já que as campanhas dos dois candidatos se resumiram a encontros de bastidor e a negociações para divisão de poder interno nas mesas diretoras e nas comissões.

O próprio perfil de Alcolumbre e Hugo Motta contribui para isso, já que não são formuladores políticos ou afeitos a entrevistas e discursos, priorizando a atuação de bastidores e as negociações envolvendo as emendas.

Alguns temas, porém, devem ser tratados em um futuro breve, entre eles o projeto de anistia aos condenados e os participantes dos ataques de 8 de janeiro de 2023, pauta número 1 do bolsonarismo e que aguarda a instalação de uma comissão especial na Câmara, além do Orçamento da União de 2025, que deveria ter sido votado em dezembro.

Além, dele, os projetos do governo, ainda não enviados, de regulamentação das redes sociais e de elevação da faixa de isenção do Imposto de Renda para R$ 5.000, promessa de campanha de Lula.

Alcolumbre tem 47 anos e foi por muitos anos integrante do baixo clero da Câmara. Já no Senado, conseguiu derrotar em 2019 o até então favorito Renan Calheiros (MDB-AL) e presidiu a Casa até 2021. Fez Pacheco seu sucessor e manteve nos últimos quatro anos amplo poder político, incluindo o de distribuição das emendas parlamentares.

Hugo Motta deverá ser o mais jovem presidente da Câmara da história. Aos 35 anos, foi alçado à candidatura por Lira, que o escolheu em detrimento de outros concorrentes, em especial Elmar Nascimento (União Brasil-BA) e Antonio Brito (PSD-BA).

Há uma expectativa entre governistas de que a relação do Executivo com a Casa possa melhorar com a chegada de Hugo, sobretudo na articulação política. Isso porque Lira rompeu com Alexandre Padilha (Secretario de Relações Institucionais). Além disso, o deputado da Paraíba é descrito como conciliador e mais aberto ao diálogo.

Lira deve encerrar os quatro anos de mandato como o único que conseguiu escolher e emplacar o sucessor em meio ao conjunto dos deputados.

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