Justiça do PA determina desocupação de prédio por indígenas que protestam contra educação a distância

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ISABELA PALHARES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Há mais de uma semana indígenas de uma dezena de etnias ocupam o prédio da Secretaria de Educação do Pará. Eles também têm feito bloqueios em rodovias importantes do estado para pressionar o governo Helder Barbalho (MDB) a revogar uma lei, que entre outros pontos, libera aulas a distância para indígenas, quilombolas e comunidades do campo.

Nesta quarta-feira (22), a juíza Lucyana Said Daibes Pereira aceitou o pedido de reintegração de posse feito pelo governo do Pará e determinou que os indígenas desocupem o prédio em até 12 horas, sob pena de multa de R$ 2.000 por hora de descumprimento.

O texto aprovado em regime de urgência no fim do ano passado também é questionado pelo MPF (Ministério Público Federal) e pelo MP-PA (Ministério Público do Pará), que entendem que o novo modelo viola as leis e princípios constitucionais que protegem os direitos dos povos indígenas.

A Folha apurou ainda que o MEC (Ministério da Educação) também entende que não há amparo legal no país para a oferta de educação escolar indígena, quilombolas, campo, ribeirinhos e comunidades tradicionais a distância.

A Secretaria da Educação do Pará, comandada por Rossieli Soares, ex-ministro e ex-secretário de Educação de São Paulo, nega que a lei vá resultar na substituição do ensino presencial pela modalidade a distância. A pasta defende que o modelo vai ofertar “educação regular presencial mediada por tecnologia” para estudantes que vivem em regiões remotas.

A lei não esclarece como será o uso desse novo modelo, mas despertou a preocupação dos líderes indígenas e professores por extinguir o texto que regulamenta o Some (Sistema de Ensino Modular) e o Somei (Sistema de Ensino Modular Indígena).

Esses programas existem há mais de 40 anos no Pará e garantem o acesso à educação a milhares de estudantes que vivem em regiões onde o estado não garante uma escola próxima.

O sistema funciona com aulas presenciais modulares, em que um grupo de professores viaja para esses locais e dá aula em locais cedidos pelas prefeituras ou espaços abertos das comunidades por algumas semanas. Depois eles seguem para outra localidade.

“Os professores se deslocam de uma região para outra e vão dando aula para os alunos que não têm acesso à escola. As aulas acontecem em escolas municipais, em igrejas e até mesmo em praças. Não é o ideal, mas permitiu que muitas crianças tivessem acesso à educação e de forma presencial, com professores que entendem seu contexto de vida”, explica Felipe Garcia Passos, professor do Instituto Federal do Pará.

O governo paraense não informou quantos estudantes são atendidos pelo Some, mas um levantamento da AGB (Associação dos Geógrafos Brasileiros), seção Belém, mostra que 65% dos 144 municípios do Pará não contam com escolas de ensino médio do campo ou em áreas rurais -ou seja, em 93 cidades há potencial para a necessidade de atender adolescentes que vivem em locais distantes.

Para chegar até esses estudantes, o governo do Pará instituiu em 2024 um modelo em que as aulas serão gravadas e transmitidas em televisores para os alunos dessas áreas remotas. A secretaria diz não se tratar de ensino a distância, porque haverá um professor mediador presencialmente nesses locais.

“Como que o aluno vai aprender com uma aula gravada pela televisão? O Pará tem mais de 50 povos indígenas, muitos desses estudantes nem falam a língua portuguesa. Essa medida vai entregar uma educação de má qualidade e que ainda desvaloriza a diversidade cultural indígena”, diz Alessandra Munduruku, uma das lideranças da mobilização.

As manifestações tem sido organizadas por indígenas das etnias munduruku, tembé, xikrim, borari, arapium, kumaruara, sateré mawe, maytapu, tapuia e tupinambá.

Ainda no fim do ano passado, o MPF havia recomendado que o governo Barbalho suspendesse a implantação do “ensino mediado por tecnologia” nas comunidades indígenas. Agora, com os protestos dos indígenas, o órgão pediu ao MEC que apresentasse qual é o posicionamento da União sobre o modelo.

A Folha apurou que o MEC analisou que a medida fere uma série de normativas nacionais. Em uma nota técnica, o ministério avaliou que os fundamentos constitucionais e legais da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) não sustentam a oferta de educação a distância, seja com o modelo de “aulas telepresenciais” ou “sistemas interativos”, para comunidades rurais.

Em nota, a Secretaria de Educação do Pará afirmou que, após as manifestações, formou uma comissão para discutir e construiu a Política Estadual de Educação Escolas Indígena, que será composta por membros do governo estadual e por lideranças de 34 povos das oito etnorregionais do Pará.

A comissão deverá apresentar em até 15 dias úteis uma minuta do projeto de lei que cria a política para ser enviada para aprovação na Alepa (Assembleia Legislativa do Pará).

A secretaria disse ainda que não é verdade que o atendimento do Some será encerrado nem que será substituído pelo Centro de Mídias da Educação Paraense. Questionada, a pasta, no entanto, não informou como serão as aulas do novo modelo ou o motivo pelo qual revogou a lei que regulamentava as aulas modulares.

“A Secretaria de Educação reafirma seu compromisso com a educação presencial nas comunidades indígenas, visando promover a inclusão e garantir que as escolas sejam ambientes de aprendizado, respeito e desenvolvimento humano”, diz a nota.

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