Nei Nervis, ligado ao MST, conquista vitória histórica para o PT no Oeste de SC

O dia 6 de outubro de 2024 ficará para a história de Passos Maia – pequeno município do Oeste catarinense de quatro mil habitantes e pouco mais de três mil eleitores – como o dia em que 1.653 votos elegeram o vereador Neimar Luiz Nervis o próximo prefeito da cidade.

Nei Nervis (à dir. ) e Mercio Thomazzoni, respectivamente prefeito e vice eleitos em Passos Maia

Nei Nervis (à dir.), primeiro petista a se eleger prefeito de Passos Maia, e Mercio Thomazzoni, vice-prefeito eleito. – Foto: Divulgação/ND

Até aí, nada de mais, não fosse o fato de Neimar, conhecido como Nei, ser do PT e, mais do que isso, ser ligado ao MST (Movimento dos trabalhadores rurais sem-terra) e de ter nascido e crescido num dos muitos assentamentos da cidade.

Aos 37 anos, em sua primeira campanha para prefeito, o agricultor Nei Nervis conseguiu o que parecia improvável: desbancou o atual prefeito, Osmar Tozzo (MDB), que buscava o quinto mandato – dois dos quais tendo como vice-prefeito Nino Nervis, pai de Nei, que morreu em 2011.

O inusitado da eleição de um candidato com esse perfil na região fica mais evidente quando observada a composição da chapa, que tinha o sugestivo nome de “Passos Maia de Cara Nova”: além de PT, PC do B e PV, reuniu também o PSB e três siglas que não podem ser classificadas como de esquerda: PSD, União Brasil e PP, além do apoio silencioso do PL.

Respeito pelos adversários, pelas ideias contrárias e busca de uma unidade que coloque o município acima das disputas – até com a possibilidade de ter representantes do PL no secretariado – são atitudes destacadas por ele para alcançar o sucesso.

O Portal ND Mais conversou com o prefeito eleito sobre a vitória, os caminhos trilhados até esse resultado histórico – essa foi a primeira vez que o PT lançou candidato a prefeito na cidade – e a influência do pai dele em sua trajetória política. Confira os principais trechos da entrevista.

ND Mais – Como é ser prefeito do PT, ligado com o MST, em Santa Catarina e no Oeste?

Nei Nervis – Aqui nós somos da reforma agrária, do MST, viemos de ocupações há 37 anos. Me criei e morei a vida toda num assentamento. A gente é bastante diferente. Em Santa Catarina, tem município onde é muito difícil um assentado e petista ganhar uma eleição. Aqui em Passos Maia fomos fazendo uma história.

Meu pai foi vice-prefeito por oito anos. No último ano do segundo mandato, faleceu três meses antes de ser candidato a prefeito. Ficou um sentimento na população, porque ele era muito bem-visto. As pessoas gostavam dele pela humildade, por ser uma pessoa pobre, mas que doou a vida dele para a política.

ND Mais – Como o senhor entrou para a política?

Nei Nervis – Eu fui crescendo e comecei a me envolver a pedido das pessoas, pelo legado que ele deixou pra mim, fui candidato a vereador e fui bem votado. Consegui fazer um bom mandato, trouxe mais de R$ 3 milhões em emendas parlamentares para o município e o povo começou a pedir que eu concorresse a prefeito.

Aqui, 50% do município é de assentamento, mas eu ganhei também nas seis urnas dentro da cidade. Não foi o assentamento só que me elegeu. A gente tem um conhecimento, eu lido com lavoura, planto 300 hectares de soja, a gente negocia em todo o comércio, todos conhecem a pessoa que sou, uma pessoa certa e séria. Acabamos perdendo só em uma urna, numa comunidade mais tradicional. De dez, ganhei em nove.

ND Mais – O caminho foi longo, então…

Nei Nervis – Sei que para o pessoal de fora, é bastante diferente esta eleição, mas para nós, essa vitória foi conquistada através de 37 anos. A gente foi trabalhando honestamente, humildemente, até chegar a esse momento em que as pessoas confiam em nós. É a primeira vez que colocamos candidato do PT em Passos Maia, ganhamos a eleição, com uma boa diferença. Aqui tem três mil eleitores, ganhamos com 258 votos.

ND Mais – O seu adversário, atual prefeito, já teve outros mandatos, não?

Nei Nervis – Sim, foi junto com meu pai, meu pai foi vice dele oito anos e agora eu voltei a concorrer contra ele, 13 anos depois do falecimento do meu pai.

ND Mais – Apesar de adversário, certamente há respeito por ele.

Nei Nervis – Sim, somos amigos. Ele nos considera muito. Fizemos uma campanha eleitoral limpa, sem uma palavra de ofensa. Nossos programas de rádio e redes sociais, foi a mais limpa da história de Passos Maia. Sem discussão. Nos programas de rádio, cada um falou o seu.

Nei Nervis (PT), prefeito eleito de Passos Maia – Foto: Divulgação/ND

ND Mais – Além do PT, PC do B, PV e PSB, o senhor ainda conseguiu unir PP, União e PSD na chapa. Do outro lado, MDB. Como foi isso?

Nei Nervis – Nosso conhecimento foi o que conquistou essa aliança com os demais partidos, por conhecer a minha pessoa e acreditar em mim. Até o próprio PL não coligou com meu adversário, o MDB. Ele ficou neutro porque os governantes lá de cima não deixavam coligar PL e PT. Mas o PL me apoiou por fora, um apoio quieto, sem coligação, mas me apoiou.

Eu vou colocar pessoas do PL para trabalhar na minha gestão com secretarias, porque são pessoas capacitadas, competentes. Aqui em Passos Maia não olhamos muito o lado da sigla, nós olhamos as pessoas. Foi assim que eu consegui essa aliança com todos esses partidos.

ND Mais – O senhor acha que haverá algum problema na relação com o governo do Estado, que é do PL, pelo fato de o senhor ser do PT?

Nei Nervis – Acredito que não, pelo fato de o candidato mais votado a vereador ser do PL. Ele é muito amigo meu, ele já esta conversando com deputados para garantir apoio, emenda, alguns já declararam que vão ajudar o município. O deputado Edilson Massoco (PL), que ganhou em Concórdia, garantiu R$ 1 milhão por ano, R$ 4 milhões para o município.

Acredito que não terei problemas com esta questão de direita e esquerda, porque os representantes do PL aqui vão dizer aos governantes que eu não sou partidário fanático, que sei atender os dois lados, não é porque é petista e mora no assentamento que vai ser radical. Não, vejo os dois lados da moeda, quero unir todos os partidos e fazer um trabalho pelo município, todos juntos.

Pai inspirou Nei Nervis na carreira política

ND Mais – O seu pai foi político. De que forma ele inspira o senhor nessa jornada política?

Nei Nervis – O que mais me motivou na política foi o meu pai. Porque ele, com muita dificuldade, sendo assentado, foi candidato. O povo chamou, os partidos convidaram, ele foi sem ter um carro e ganhou as eleições. Ele nunca perdeu uma eleição: foi vereador, foi duas vezes vice-prefeito, e cada vez com uma diferença maior de votos. Ele deixou uma história muito bonita, um legado. No dia em que ele faleceu, ele me deu um conselho: se eu quisesse seguir o projeto que ele ia deixar, se achasse que era bom, era pra seguir. Caso contrário, era pra fazer a minha história.

Cheguei a guardar um terno e duas gravatas dele, tenho até hoje, está dentro do meu guarda-roupa, pra um dia eu homenagear ele. Quando fui candidato a vereador, não fiz a homenagem, agora como prefeito vou homenagear ele, vou tomar posse com o terno dele, com a gravata dele no dia primeiro de janeiro.

ND Mais – O PT conquistou sete prefeituras. Acha que dá pra fazer um trabalho conjunto ou a correria do dia a dia não permite?

Nei Nervis – Acho difícil fazer trabalho conjunto, porque cada um tem seu trabalho e cada um vai puxar a brasa para o seu assado, e não tem o que fazer. Tem um que é mais perto, que é Xavantina, mas assim, se precisar de nós, estamos à disposição, se puder ajudar outro município, fazer parceria, estamos abertos a conversar.

ND Mais – Com a experiência de quem vive num estado que é agora muito voltado à direita, o que o senhor diria a Guilherme Boulos (PSOL) para conquistar mais votos e ganhar a eleição no domingo em São Paulo?

Nei Nervis – A gente vê no nosso município que o radicalismo é coisa do passado. A gente tem que dialogar com as pessoas, escutar outros partidos e trabalhar unido. Essa de cada partido puxar para o seu, de ter uma visão de uma ideia só, não leva a nada. Tem pessoas boas em todos os partidos, e tem pessoas ruins em todos os partidos também. É preciso acatar as melhores ideias e trabalhar unidos pelos nossos municípios e nosso país.

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