Ministros do STF dispensam folga, retêm controle sobre ações e limitam presidente da corte

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ARTHUR GUIMARÃES DE OLIVEIRA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) têm mantido os trabalhos em períodos de recesso, em uma tendência cada vez mais consolidada que lhes permite manter o controle sobre processos e diminuir o poder concentrado no presidente da corte.

O plantão no recesso compete à presidência e tem sido dividido. O presidente, Luís Roberto Barroso, atuou de 20 a 31 de dezembro de 2024 e voltará a despachar entre 20 e 31 deste mês. O vice, Edson Fachin, assumiu no dia 1º e continua até domingo, 19 de janeiro. Mas eles não são os únicos na ativa.

A maioria manteve atividades neste período. No total, contando os plantonistas, ao menos 8 dos 11 magistrados seguiram trabalhando: além de Barroso e Fachin, Alexandre de Moraes, André Mendonça, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Cristiano Zanin e Flávio Dino.

Os dois últimos se dedicam a processos específicos. Dino atua nas ações relacionadas às emendas parlamentares e aos incêndios na Amazônia e no Pantanal, enquanto Zanin decide nos casos das investigações sobre venda de decisões judiciais.

Medidas importantes foram tomadas. Moraes soltou e depois mandou prender o ex-deputado Daniel Silveira e, nos últimos dias, encarregou-se da análise do pedido de Jair Bolsonaro (PL) para ir à posse de Donald Trump nos EUA. Rejeitou a solicitação do ex-presidente nesta quinta-feira (16).

Dino acionou a Polícia Federal para apurar irregularidades na liberação de emendas, e Mendonça barrou atos que permitiriam a bets atuar no país por meio de licença do Rio de Janeiro.

Em nota, o STF diz que há anos os ministros têm trabalhado no recesso e, mais recentemente, ferramentas tecnológicas têm permitido a eles despachar de onde estiverem. Também afirma que os magistrados não recebem um adicional pela manutenção das atividades.

Advogados e professores de direito ouvidos pela reportagem classificam essa tendência de ministros do Supremo dispensarem a folga como algo que veio para ficar e que pode impactar as dinâmicas de poder na corte.

Georges Abboud, advogado e professor do IDP, diz que isso ocorre pelo menos 2021, quando Luiz Fux presidia a corte. E, embora seja cedo para considerá-la cristalizada, a tendência tem se consolidado ano a ano, com adesões crescentes, até de ministros recém-nomeados, diz.

Segundo ele, um dos motivos para esse fenômeno pode derivar de conflito de decisões, em que um ministro concede uma liminar e o presidente cassa a medida em seguida. Manter os gabinetes ativos seria uma salvaguarda para os próprios relatores analisarem os pedidos.

Em 2018, um dia antes do recesso, o ministro Marco Aurélio suspendeu a possibilidade de prender condenados em segunda instância antes do trânsito em julgado e mandou soltar todas as pessoas nessas circunstâncias, uma decisão poderia beneficiar Lula à época.

O magistrado submeteu a decisão ao plenário da corte, declarando-se habilitado para relatar o processo e votar, mas apenas no ano seguinte, na abertura do primeiro semestre judiciário de 2019. Toffoli, então presidente, suspendeu os efeitos da medida.

Em 2020, o mesmo Toffoli, no exercício da presidência, fixou prazo para a implementação da figura do juiz das garantias. Dias depois, Fux, então vice e relator dos processos sobre o assunto, revogou a liminar e suspendeu a criação do juiz das garantias por tempo indeterminado.

“Há um esvaziamento do poder da presidência”, mas essa não é “uma dinâmica perniciosa para a corte”, continua Abboud. Pelo contrário, diz ele, porque ela impede uma “guerra de liminares” e permite que o pedido seja examinado exatamente por quem o faria fora do recesso.

Doutor em direito constitucional pela USP, o advogado e professor Wagner Gundim diz que a questão tem a ver com consolidação de poder. “Você vai perceber, inclusive, que o poder circula nesses grandes nichos”, diz ele, apontando Gilmar Mendes e Moraes como polos nesse sentido.

Para evitar que colegas despachem em casos dos quais são relatores, ministros renunciam à folga. “Não é nem por satisfação pessoal. É mais por uma questão de distribuição de poder”, afirma o advogado. “Eles fazem isso para tentar manter o poder nas próprias mãos.”

Sob outra ótica, o professor de direito constitucional da PUC-SP Marcelo Figueiredo diz que o STF acumulou muitas competências ao longo dos anos, resultando em um aumento do volume processual. Seguir trabalhando serviria, portanto, para limar o acervo.

“O recesso é para advogados e pessoas da Justiça descansarem e tomarem fôlego para voltarem a trabalhar com mais energia. Mas não há como fazer isso, porque mesmo com toda assessoria que os ministros têm, o volume de processos ainda é muito grande,” diz.

Além disso, afirma o professor, como não há prazos no Supremo para o ministro liberar o voto (a não ser quando há um pedido de vista ou uma situação mais específica), “quanto mais cedo ele diminuir o volume de processos que tem para julgar, melhor”.

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