Comunicação é disciplina, disciplina é liberdade!

(Imagem: Moondance/Pixabay)

Os recentes eventos em torno da desregulamentação global das redes sociais sublinham a urgência do ensino de comunicação voltado para a crítica reflexiva. Como bem destacou Rubem Alves (1), enquanto proliferam os cursos de oratória, carecemos de iniciativas que ensinem a arte da escuta, da interpretação e do questionamento. Em um mundo saturado de vozes que clamam por atenção, a habilidade de ouvir atentamente nunca foi tão essencial.

Mais do que ouvir atentamente, é imprescindível que os cidadãos compreendam os mecanismos e a estrutura midiática. A dominação discursiva e o silenciamento de questões sensíveis pelas mãos de pequenos grupos que controlam a grande mídia não são privilégios exclusivos do nosso tempo. Noam Chomsky já havia destacado esse fenômeno em seus estudos, alertando-nos para a necessidade de uma população bem-informada e crítica (2). Em um cenário onde a informação é poder, a alfabetização midiática se torna uma ferramenta essencial para a verdadeira liberdade de expressão e para a construção de uma sociedade mais justa e democrática.

Perseu Abramo, em suas reflexões sobre a democracia e a educação, sempre enfatizou a importância de uma população politicamente consciente e ativa (3). Ele defendia que a educação deve ser um instrumento de transformação social, promovendo não apenas o conhecimento técnico, mas também a capacidade crítica e reflexiva dos cidadãos.

Há três pontos de urgência para políticas públicas nesse cenário:

  1. Regulação da Mídia: Entendida não como censura, mas como uma ferramenta a favor dos direitos humanos, transparência, ética e compromisso com a verdade.
  2. Democratização dos Meios de Comunicação: Implementação de políticas que garantam o acesso e o financiamento público à produção e veiculação comunitária para grupos diversos, fomentando a inclusão de discussões de interesse para além dos grandes conglomerados de comunicação.
  3. Educação Midiática: Fundamental para capacitar os cidadãos a interpretarem, questionarem e produzirem seus próprios conteúdos, bem como compreenderem as estruturas que compões os espaços de comunicação.

A comunicação é mais complexa do que pode parecer à primeira vista, envolve interpretação, contexto, cultura e relações de poder. Entender essas camadas é essencial para compreender a dinâmica da comunicação. Mario Kaplún, pioneiro na abordagem da educomunicação, destacou a necessidade de integrar educação e comunicação para formar cidadãos críticos e participativos (4). Ele argumentava que a educomunicação não se resume a ensinar técnicas de comunicação, mas a promover a consciência crítica sobre os meios e as mensagens. Segundo Kaplún, a alfabetização midiática é urgente para empoderar as pessoas a questionarem, analisarem e produzirem seus próprios conteúdos, contribuindo assim para uma sociedade mais democrática.

Paulo Freire, um dos maiores educadores do Brasil, introduziu a ideia de “ler o mundo” (5), que vai além de apenas decifrar palavras. Para Freire, a educação deve capacitar as pessoas a entenderem e interpretarem o mundo ao seu redor, compreendendo suas realidades sociais e culturais. Essa leitura crítica do mundo permite que os indivíduos se tornem agentes de transformação social, questionando e desafiando as estruturas de poder estabelecidas.

Entender os enfoques dos meios de comunicação também parece pertinente. Como Herbert Marshall McLuhan afirmou, “o meio é a mensagem” (6). Esta citação sublinha a importância de compreender que a forma como a informação é transmitida pode ser tão impactante quanto a própria informação. McLuhan nos lembra que a mídia não é apenas um canal neutro de comunicação, mas sim um agente que molda nossas percepções e experiências.

Se disciplina é liberdade, a comunicação é, ou deveria ser, uma disciplina fundamental. Assim, a alfabetização midiática se torna uma ferramenta essencial para a verdadeira liberdade de expressão e para a construção de uma sociedade mais justa e democrática. Este é um chamado à ação para educadores, comunicadores, formuladores de políticas públicas e todos os cidadãos, para que juntos possamos criar um ambiente de comunicação mais equitativo e esclarecido.

Notas

  1. Rubem Alves (15 de setembro de 1933 – 19 de julho de 2014) foi um teólogo, educador e psicanalista brasileiro que enfatizou a importância da arte da escuta.
  2. Noam Chomsky (nascido em 7 de dezembro de 1928) é um linguista, filósofo e ativista conhecido por suas críticas à mídia e às políticas de poder.
  3. Perseu Abramo (17 de julho de 1929 – 6 de março de 1996) foi um jornalista e sociólogo brasileiro, conhecido por suas reflexões sobre a democracia e a educação.
  4. Mario Kaplún (8 de março de 1923 – 14 de março de 1998) foi um teórico da comunicação que destacou a integração da educação e da comunicação.
  5. Paulo Freire (19 de setembro de 1921 – 2 de maio de 1997) foi um renomado educador brasileiro, conhecido por sua abordagem crítica à educação.
  6. Herbert Marshall McLuhan (21 de julho de 1911 – 31 de dezembro de 1980) foi um teórico da comunicação que cunhou a frase “o meio é a mensagem”, destacando o impacto dos meios de comunicação.

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Fernanda Siebert é doutora em Ciências Ambientais e comunicóloga, autora de estudos notórios sobre leitura crítica da comunicação, comunicação ambiental e instrumentos de políticas públicas.

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